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Arquivo mensal: dezembro 2017

Todos os dias eu fotografo capas dos livros e publico aqui no facebook, para divulgar o acervo da Biblioteca em que trabalho.

É uma espécie de manifesto silencioso em defesa da biblioteca publica, que muitos dizem não ter acervo, mas sequer visitam suas estantes pra conferir as ausências e presenças. As fotos provam que os acervos existem e devem ser explorados.

É simples militância bibliográfica.

Hoje, como sempre, seguindo a intuição, mergulhei na estante e pesquei um livro de uma fundamental professora, pesquisadora, critica e escritora, que introduziu os estudos de literatura infanto juvenil em nossas universidades, além de ter feito um pioneiro trabalho sobre a literatura feminina no Brasil.

Trata-se de Nelly Novaes Coelho.

Há pouco fiquei sabendo que Nelly faleceu na tarde de hoje. Gostaria de ter postado essa imagem bem antes, no momento eu nem sabia que ela havia falecido, mas fica a justa homenagem, o agradecimento e o adeus a alguém tão importante para a leitura, os livros e todas as razões e emoções envolvidas.

Notas no jornal, indícios em pesquisas, percepção nas ruas e em conversas reservadas, indicam que cresce a simpatia por Lula na classe média. Na tora, no olhar cru, permanece o ódio costumeiro, mas há nuances.

Quinta feira à noite fui comer um shawarma no Sítio Sírio na Rua Paraíba, Savassi em BH. Comida boa, mesa na calçada, noite quente. Do meu lado uma família fala alto, se diverte, provavelmente, pai, mãe, filhos e uma tia (composição familiar presumida):

A mãe:

– E eleição, gente??

Breve silêncio…

A tia:

– Tá difícil, né, não quero votar nesses…

A mãe:

– No Aécio não dá, é muito cara de pau…

O pai:

– Voto no Lula, sem dúvida. Me arrependo demais de ter votado no Aécio…

A tia:

– Você tá louco? É por causa dele que o Brasil tá assim…eu sei que o Aécio também não presta, mas…

A mãe:

– Mas só falam do Lula, né?

O pai pra tia:

– Uai, você tava muito bem quando o Lula tava no Governo, agora tá desempregada.

O filho mais velho:

– Eu vou votar no Bolsonaro, pelo menos explode tudo…

Seguiu uma falação da tia sobre corrupção, limpeza entremeada por galhofas do pai e do filho mais velho. Risadas, voltaram ao papo familiar.

Uma conversa normal de uma família de classe média com cerveja e naquele caso, acompanhado de falafel, com mais dúvidas do que certezas. É uma amostra. Segui comendo meu shawarma, voyeur de conversa alheia.

Ontem, o Sócrates Brasileiro fez mais um gol. O campo de futebol da Escola Florestan Fernandes agora tem o nome do doutor. O Magrão não escolhia lugar pra embelezar o jogo da vida. Às vezes errava, escorregava na hora de concluir, como todo ser humano, porém, nunca deixava de colocar sua marca pessoal, seu calcanhar peculiar, sua ironia fina.

A minha companheira Gabriela é pesquisadora das políticas públicas de prevenção da AIDS. Nos trabalhos do doutorado, na pesquisa bibliográfica e documental, ela achou essa importante referência sobre políticas públicas de prevenção numa nota da Revista Placar e me mostrou.

A nota informa que Sócrates seria o “garoto propaganda do Ministério da Saúde, na primeira campanha massiva de prevenção à AIDS, que seria veiculada no Carnaval de 1986. Não há registro gravado da campanha, mas mesmo assim ele não deixou de imprimir sua marca, comprometida e libertadora e a nota não deixa dúvidas sobre sua perspectiva crítica.

As jornadas nas canchas e nos estádios eram apenas parte do grande disputa que Sócrates Brasileiro travou e, apesar de sua ausência, o jogo segue.

Em 22 de dezembro de 2015 chovia em São Paulo.

Me refugiei nas escadas do Teatro Municipal e fiquei ali olhando o povo correndo da chuva. Tava bonito. Fim de tarde, luz especial. Cliquei o Shopping Light, a chuva e as pessoas. Dois anos hoje. O tempo é um parâmetro vago. Tanta coisa aconteceu.

Leio por aí que hoje, 22 de dezembro de 2017, de novo chove em SP. Tô longe, não sei, não sinto a chuva, nem vejo o mundo da escada do Municipal.

No início da década de 80, Liverpool tinha três promissoras bandas: Echo And Bunnymen de Ian McColough, Teardrope Explodes de Julian Cope e Pale Fountains de Michael Head. Echo virou sucesso, inclusive fora do Reino Unido, Teardrope implodiu e Julian Cope foi perseguir os sons psicodélicos em brilhante carreira, Pale fez bons álbuns, mas nunca atingiu o reconhecimento merecido. Mas Michael Head ainda está por ai.

No final dos anos 70, o jovem Michael Head mergulhou fundo nas bandas psicodélicas do West Coast dos EUA, a banda Love de Arthur Lee era seu referencial. Ele levou esse legado para o seu Pale Fountains e juntou a isso a tradição melódica de outra grande influência: Burt Bacharach. Doçura e acidez estão no centro das canções de Michael Head.

Foram três álbuns com o Pale. Em 1988 montou o Shack e lançou cinco álbuns até 2006, no meio desse período gravou um álbum solo chamado The Magical World of the Strands (um tributo a Arthur Lee). Em todos esses trabalhos tendo como parceiro o irmão John Head. No início dos 2007 montou a banda Michael Head & The Red Elastic Band sem o irmão.

Tudo emocionante, intenso e produtivo. Aparentemente. A depressão, a heroína e o álcool entrecortaram toda a carreira de Michael Head. Por longos períodos, Michael, sumia, se ausentava, chegou a desaparecer para encontrado meses depois dormindo numa estação de trem do interior da Inglaterra. Sem condição de tocar e se apresentar ao vivo, sem poder fazer o que melhor fazia. O irmão John, anjo da guarda, nunca desistiu dele. Michael nunca desistiu da música. Eu sempre o acompanhei de longe, através das esparsas notícias.

Pesquisando ontem no YouTube, depois de uma conversa com meu sobrinho Binho, que lembrou quando eu lhe apresentei o Pale Fountains nos anos 90, fiquei sabendo que Michael e sua Red Elastic Band, recém lançaram o álbum “Adiós Señor Pussycat”. O melhor é que ele está limpo da heroína e do álcool há dois anos e em turnê na Inglaterra.

É muito bom ver um cara que fez canções que moveram suas emoções na adolescência, ainda na ativa e fazendo coisas significativas e, ao menos no momento, livre dos infernos pessoais. E mais: perceber que as suas novas composições dizem algo, que não ficou datadas, que ainda pulsam. A história de nossas canções sobrevive a atribulações e esquecimentos. A música à risca cumpre uma de suas vitais funções: enredar as nossas vidas.

A Pablo Vittar é maior que o Faustão. Ela carrega a tradição ousada de trans, drags, pessoas que ousam ser quem realmente querem ser e vão à luta nos palcos, ruas e mesmo no anonimato.

A indústria cultural tende a esmagar expressões com vitalidade e transformar histórias de ousadias estéticas e políticas em caricaturas, que às vezes premia, às vezes ridiculariza e vulgariza.

Reagir mecanicamente à estas manipulações com opiniões regidas pelo “gostômetro” serve mais aos manipuladores e exploradores do que aos ousados e resistentes.

A crítica feita a Pablo nos reporta a diversos momentos em que a indústria cultural tentou (e conseguiu) diluir expressões ousadas como a psicodelia, o punk, etc.

A relação do artista com a indústria é a mesma de qualquer relação entre o trabalhador e o capital, o que obscurece a crítica é o glamour nela envolvido.

Objetivamente: artista é a parte mais fraca num jogo onde o produto cultural é manipulado à exaustão para subjugar e garantir lucros aos mesmos de sempre, no qual ele tem o talento, o processo de criação, mas os mecanismos de mercantilização lhe fogem, a obra, fica no meio desse fogo cruzado.

Pablo tem a energia e frescor da mudança e do diálogo com outros mundos possíveis, um mundo de novas afirmações, de espaços antes inexistentes, conquistados com sangue e luta.

Pablo vem de uma longa tradição que envolve Divine, Jane County e sua ancestral brasileira, Cláudia Wonder, e tantas outras. Drags e trans que conquistaram o seu espaço na unha e muitas vezes, literalmente na porrada. O fato delas não caberem no nosso mundo de gostos e de serem premiadas por quem desprezamos não apaga sua trajetória e não diminui o seu valor.

Melhor respirar e refletir antes de emitir juízo de valor sobre histórias e superações que compreendemos parcialmente, ao não fazê-lo corremos o risco de endossar preconceitos e ficar do lado de quem queremos combater. Viva sempre a atitude e a ousadia com todas as suas contradições.

A eleição de 2018 será realizada. Ela vai acontecer com todas as pompas necessárias à um país democrático. Há uma outra eleição que também ocorrerá nos tribunais, uma como complemento da outra. Na falta de uma eleição haverão duas. A hiperdemocracia.

Dois episódios que ocorreram ontem, confirmam esse duplo pleito em 2018.

No final da tarde ficou estipulado pelo TRF4 que Lula será julgado em segunda instância no dia 24 de janeiro. A decisão tem requintes e prenúncios. Marisa Leticia, ex companheira de Lula, sofreu um AVC, e logo após faleceu, no dia 24 de janeiro de 2016, o TRF4 quer comemorar a data. Condenar Lula no dia de aniversário da morte de sua esposa é o escárnio perfeito para quem se move pelo ódio e pela abjeção.

Mas temos outro detalhe que reafirma a clara intenção de impedimento da candidatura Lula: a velocidade incomum que o julgamento foi agendado, furando todas as filas e contrariando todo o histórico moroso de nosso judiciário. O julgamento de Lula em 2018 é o primeiro turno da eleição presidencial.

O outro episódio, mais obscuro, e envolvendo dois personagens menos populares, confirma o formato da eleição 2018 em dois patamares, o voto popular e o cadafalso dos magistrados. Também no dia de ontem, o TRE RJ tornou inelegível o ex Prefeito do RJ, Eduardo Paes e o Deputado Pedro Paulo (PMDB-RJ), que foi o candidato apoiado por Paes na última eleição a Prefeito do Rio de Janeiro, por usarem o “Plano Estratégico Visão Rio 500”, contratado e pago pelo município, como plano de governo na campanha de Pedro Paulo.

Vejam, não entro no mérito das decisões jurídicas, o ponto não é esse, não me cabe separar o joio do trigo no âmbito das leis. O olhar se fixa na seletividade, na celeridade e na concatenação dos fatos. Gostar ou não de quem tá sendo julgado e daqueles que estão sendo estranhamente esquecidos, é coisa da política partidária. Até onde sei, preferência partidária é coisa de cidadão comum, não de magistrados, quero crer.

O julgamento de Lula virou espetáculo com desfecho pré concebido, é um ponto fora da curva, a decisão sobre o impedimento de Paes e Pedro Paulo, soa mais banal e ordinária, até pelo peso político dos envolvidos, mas ambas obedecem a uma mesma lógica.

Todos as movimentações políticas desde o impeachment, tiveram o protagonismo do judiciário. Não dá pra ser ingênuo e pensar que isso vai parar no ano da eleição presidencial. Além das prévias, das convenções partidárias, da campanha nas ruas e veículos de comunicação, as decisões colegiadas e monocráticas dos magistrados podem como nunca, colocar ou retirar um voto da urna em 2018.

Sei que não é novidade essa presença do Judiciário na vida política e nas eleições, e tampouco defendo a conivência, a leniência e o atropelo das leis, ao contrário. Na máxima de Montesquieu, o judiciário é o poder de equilíbrio, mas o que contradiz esse enunciado, é o excesso de presença, a seletividade e os julgamentos no afogadilho que patrocinam o desequilíbrio nas decisões. Hiperdemocracia, hipodemocracia, pós democracia, escolham diretamente, ao menos o rótulo.