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Arquivo mensal: setembro 2014

Este programa da BBC é de 11 de setembro de 1970, seis meses depois (fevereiro de 1971) David Crosby lançaria seu álbum “If I Could Only Remember My Name”, portanto, naquele momento “Traction in the rain” era uma canção inédita. E na gravação ele a apresenta para o companheiro Grahan Nash.

Uma beleza de balada…

David Crosby Playing Guitar

Tenho um costume, antigo e arraigado. Gosto de caminhar pelo centro de São Paulo. Olhar de perto as dinâmicas, as mudanças. As belezas e a beleza das feiuras. Em geral, olhamos o Centro como unívoco na decadência e na degradação, nuances são ignoradas e desaparecem muitas vezes sem serem percebidas. É mais fácil transformar tudo em cinza.

O Centro que já foi dos trombadinhas, dos meninos de rua, da prostituição, dos camelôs, do crack, do cheiro ruim das ruas, do ecletismo e da suntuosidade das construções que supostamente contrastam com a pobreza monolítica das ruas. Uma longa memória que compõe o museu das ruas tristes. Um bocado de certezas que acomodam a lógica do higienismo, do preconceito.

Tudo isso permanece em resíduos mais ou menos presentes, como um museu das ausências, das carências, das perversidades. Com o tempo tudo se naturaliza se transforma parte da paisagem, aparece e desaparece sem causar nenhum alarde. O destino traçado. A memória é seletiva e aponta sempre para uma velha frase “o Centro de SP não tem jeito mesmo”, é mais simples pensar assim.

Há alguns anos o Centro vem sendo ocupado de uma maneira organizada, parte da exclusão se insurgiu, saltou das ruas e adentrou prédios vazios, prédio vazio numa cidade excludente é a maior das perversões. As bandeiras vermelhas com siglas são fixadas nas fachadas e pessoas ocupam, enchem de sentido um vazio.

A cidade onde tudo é longe, tudo é difícil, tudo demora a ser. Os movimentos de ocupação resolveram intervir na lógica das ruas abandonadas e, assim, fazer valer a Constituição:

“Artigo 397 I- as propriedades devem cumprir a função social ou uma função econômica e social para salvaguardar os seus direitos, de acordo com a natureza da propriedade.”

E o Centro foi ocupado por gente que pela toada tradicional estaria protagonizando mais uma história perversa do museu das ruas tristes. Ocupação no léxico das ruas, invasão no dizer do aparelho repressor e na fala senso comum de quem sustenta o discurso do medo e da repressão.

Na terça feira (16/09), o discurso do medo operou sua eficiência com balas e uniformes, jogou para a rua, para o destino traçado, a resistência que tenta mudar a velha história do centro. A mudança de enredo incomoda os donos e o discurso da propriedade, e tem polícia, mídia, tem discurso pronto para operar a desocupação.

O episódio da São João com violência franqueada sobre crianças, mulheres grávidas, idosos, não foi tragédia isolada, outras reintegrações de posse, é esse o termo policial emulado pelo sentido de justiça, são feitas diariamente São Paulo afora, mas como foi no Centro ele se amplifica eco de Pinheirinhos na vitrine da Avenida.

A prática é conhecida, testada e encontra respaldo na onda conservadora que nos acomete. A invasão (invertida) da polícia com bombas e balas de borracha cabe perfeitamente no discurso do “coitadismo” onde a vítima das mazelas é a culpada e o algoz (o Estado repressor e omisso) é o disciplinador. A sociedade aplaude o desfecho trágico do “vagabundo que quer casa de graça”

Foto de William Okubo

As faixas vermelhas de Haddad estão incomodando. São Paulo resiste às mudanças. As faixas vermelhas que são uma propaganda subliminar, sim, são propaganda. Elas propagam o egoísmo, a insensibilidade e o desejo paulistano (de uma parte considerável) de não mudar nada para continuar reclamando subjetivamente de tudo.

As faixas vermelhas de Haddad jogam para a calçada a hipocrisia de uma cidade que reclama da selvageria e não quer mover um dedo para entender seus próprios motivos. As faixas vermelhas de Haddad não são algo genial, nem solução para trânsito, nem a nova explicação para o velho congestionamento, elas apenas tentam movimentar um caos que parece intocável.

As faixas vermelhas do Haddad não inauguram nada de novo, realmente, não inauguram nada de novo numa cidade que insiste em reclamar de um passado que não entendeu, de um presente que rejeita e de um futuro acomodado em suspeição.

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O mês de Agosto de 2014 trouxe dois acontecimentos muito importantes referentes ás políticas públicas para o livro e a leitura no Brasil:

– no dia 18 de agosto Presidenta Dilma Rousseff assinou um decreto que oficializa a transferência da Diretoria de Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas (DLLLB) para a estrutura do Ministério da Cultura, em Brasília. Desde 1990 esta estrutura estava dividida, parte dela funcionava em Brasília e a outra parte na sede da Fundação Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, o que dificultou uma política integrada e coerente entre células tão interdependentes.

– no evento de abertura da Bienal do Livro, no último dia 22, a Ministra da Cultura, Marta Suplicy, e o ministro da Educação, Henrique Paim, assinaram um documento para designar os membros do conselho diretivo e da coordenação executiva do Plano Nacional do Livro e da Leitura (PNLL).

Os esforços políticos que tornaram realidade estas duas iniciativas vêm de muito antes e envolvem uma série de atores e segmentos da rede composta pelo setor. Desde 2003 no primeiro ano do Governo Lula com a homologação da Lei do Livro, o Governo Federal interrompeu um longo hiato de inação e falta de dialogo e o congelamento do debate realidade dominante até então.

O estabelecimento de uma política pública para o livro e leitura recebeu grande reforço, traduzida nos dois atos citados, mas é fundamental que sejam operadas várias outras iniciativas e ações, ainda no âmbito Federal, nos Estados e Munícipios.

O Secretário Executivo do PNLL, José Castilho Marques Neto, logo que reassumiu a função em 2013 (estave afastado desde 2011), apontou em entrevista à Raquel Cozer:

O primeiro ponto é a institucionalização do PNLL em lei, porque precisamos de um plano nacional de longo prazo (…). A segunda questão é criar um organismo representativo e que tenha autoridade em financiamento para tratar dessa política. Isso seria o Instituto Nacional de Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas. Terceiro, temos que finalmente projetar e instituir o Fundo Setorial Pró-Leitura.

O foco central do PNLL, portanto, é fortalecer a ação do Estado no planejamento e execução das politicas públicas.transformar suas diretrizes gerais em matrizes norteadoras e operativas na construção dos planos estaduais e municipais.

Sem a citada institucionalização e a formação de um orgão operacional, não há como dar respostas ao atual quadro de precariedades; a ênfase nas mudanças estruturais, na formação de mediadores de leitura, na modernização dos equipamentos e no fortalecer a cadeia produtiva do livro, promovendo a bibliodiversidade e o acesso democrático ao livro e à leitura, são desafios substantivos do processo político e institucional.

Existem alguns passos básicos que devem ser acionados:

  •  as consultas públicas regionais e segmentadas;
  •  a formatação de leis que sedimentem as diretrizes apontadas por estes planos;
  •  o mapeamento dos diversos equipamentos (bibliotecas de acesso público, livrarias, editoras);
  •  a ordenação e concatenação dos programas, projetos e ações desenvolvido pelos setores  público e privado;
  •  a concatenação da rede de profissionais e instituições envolvidas no setor;
  •  a modernização dos equipamentos existentes e o fomento a novos espaços;
  •  os arranjos e ordenamentos feitos em sintônia com o setor produtivo do livro;
  •  a articulação política dentro dos parlamentos através dos mandatos populares e  representações populares

Um ano de eleição não representa de maneira nenhuma um momento de paralisação do setor, as bibliotecas públicas, escolares e comunitárias, os diversos mediadores, os gestores, editores e livreiros, os saraus continuam atuando e devem estar atentos a provocar novos movimentos em suas áreas de atuação, e é justamente para mudar a lógica de eterno adiantamento que devemos derrubar o mito de que em ano de pleito as ações não frutificam, esta seria a afirmação de que estamos construindo as bases de uma política de Estado, não de Governo.

Os pilares para uma política pública republicana se fundamentam em torno de conceitos claros do que é leitura e do que é livro, sendo assim é interessante reafirmar seus conceitos e a partir deles, entender os passos, o caminho de sua construção.

– a leitura, destaque maior e central desta rede conceitual entendida como ato social de apropriação, interpretação e criação de sentidos atribuídos à palavra escrita e a todos os códigos e linguagens, acessível em suportes convencionais e nas tecnologias digitais;

– o livro como a publicação de textos escritos em fichas, folhas ou meio digital, não periódica, grampeada, colada ou costurada, em volume cartonado, encadernado ou em brochura, em capas avulsas, em qualquer formato e acabamento.

É bom lembrar que a democratização do livro é determinada pela leitura, leitura essa que deve ultrapassar o mero ato mecânico de distinção de signos e se aprofundar na diversidade e na complexidade dos diversos universos envolvidos, este é o primeiro passo para ampliar ao uso dos signos da leitura com a finalidade da emancipação e autonômia dos sujeitos.

Leitura e livro nunca prescindem um do outro, logo, eles não podem se isolar dos processos sociais, dos conflitos e das contradições implicados, não existem no mundo etéreo, o livro é um objeto com formas definidas que depende diretamente da leitura para ter sentido de uso, de valoração, é o modo de estar perto das pessoas para o seu uso prático; outro elemento que não pode estar fora é o mediador, aquele que provoca a leitura e está em constante dialogo com o leitor, é no processo de mediação  que o mundo do “outro” se amplia

O PNLL ganhará força com todos esses arranjos e articulação, é óbvio que não se encerra neles, ele deve afetar o caminho que o livro e a leitura seguem, não como o poder de um drone determinista que carrega o conhecimento e a informação alvejando a ignorância , mas como um processo social que envolva pessoas, equipamentos e ações  e que venha a construir um pais de leitores.

É urgente a construção de uma política do livro para a leitura.

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Adoro as palavras, mas nem sempre sou todo ouvido!
Principalmente quando língua, lábios e dentes buscam outros objetivos…

Casulo

– De domingo a periferia é mais longe.

Esta foi a resposta que o rapaz no ponto da Praça Quatorze Bis me deu quando perguntei se demorava o ônibus para o Terminal João Dias. Descobri que tinha que pegar o Terminal Capelinha e descer na Avenida João Dias e acessar o Terminal João Dias pelo lado de fora. Lá vou eu rumo ao Parque Santo Antônio.

A Livraria Editora e Biblioteca Comunitária Filoczar que pertence ao Cesar Mendes Costa, um filósofo, professor, terapeuta, ativista da leitura que faz um trabalho único no coração do Jardim São Luiz, extremo zona sul de São Paulo: provocar, instigar a educação, a formação e mediação de leitores.

Cesar, claro, não está sozinho, tem uma rede, tecida na teimosia, na resiliência, na insistência de fazer coisas diferentes daquelas que a lógica perversa do abandono, do preterimento, do descaso do Estado e da sociedade.

Naquela tarde pude conhecer e descobrir pessoas que trabalham duro para fazer o que a maioria não percebe, mas que é fundamental para quem convive e compartilha das ações que eles promovem.

Eu não estava lá a passeio, desde junho de 2014, faço parte de um grupo de trabalho que se reuniu e foi nomeado oficialmente para construir o PMLLLB (Plano Municipal do Livro Leitura Literatura e Biblioteca).

Poder público, entidades, militantes da leitura, parlamento e as pessoas da cidade de São Paulo são o húmus do Plano, e para legitimar o processo uma das etapas fundamentais são as plenárias populares realizadas junto aos movimentos, com os trabalhadores da leitura, ir à zona sul naquela tarde era parte dessa caminhada.

Na constituição do grupo de trabalho represento a Câmara Municipal através do mandato do Vereador Antônio Donato (PT), no dia 06 de junho realizamos uma audiência pública para recolher subsídios junto à sociedade para compor uma política do livro e leitura. Com a formalização do GT juntamos as forças.

Foram duas horas que demorei em chegar ao Jardim São Luiz e encontrar a Livraria Filoczar. Tudo muito simples, a simpatia de Cesar e esposa, a livraria no cômodo da frente na sala contígua cadeiras, ali acontece os cursos, cineclube, os debates. Em outra sala está biblioteca comunitária, duzentos títulos acessíveis.  Sim, a Filoczar comporta uma livraria e uma biblioteca, onde está escrito que são coisas excludentes?

Ás 15h40min começamos a plenária, alguns minutos depois o companheiro de GT, Haroldo Ceravolo se juntou a mim para coordenação da plenária. Chovia em São Paulo, coisa rara nos últimos meses. Não erámos muitos, mas não foi pouco.

Sentados conosco educadores, militantes, escritores, o início do diálogo foi frio, o estranhamento, a difícil comunicação. Plano, institucionalidade, poder público não são moeda corrente para pessoas que fazem o que tem que fazer sem esperar a verba, a estrutura, o Estado.

Evidente que as necessidades, o que falta, o que é preciso para fazer melhor, são coisas muito claras para estas pessoas, eles podem não dominar as nomenclaturas, os termos empolados que lhe são impostos, e não é por ignorância  mas pela urgência das tarefas.

Maria Vilani, o poeta Casulo, Célio Sales, Luciana; Cleon (Ceará); Monica Aiub; Willian; Paulo Sérgio; Vanessa Mendes; Naram… todos eles sabem a importância do que fazem, porque fazem há muito tempo, enão têm escolha, o enredo é antigo.

O tempo das políticas públicas, não é o tempo da periferia de São Paulo ou de qualquer periferia. Há um descompasso, um desnível, nas verbas, no olhar, no entendimento, no diálogo. Não adianta conversa, as pautas são claras, o enredamento é conhecido, avançar é urgente.

Foram quatro horas de debate, depoimentos, sugestões, desabafos, conversa direta de quem já correu muitos trechos. Concretos encaminhamentos. Aprendi mais um tanto na vida. Há uma dívida grande com esse povo e vem de longe, muito longe. E precisa ser paga.

De carona com o Haroldo na volta, falávamos de política, de eleição, conjuntura, realpolitik, a velha e não superada conversa da luta de classes. O contraste foi satisfação de ter participado de uma plenária produtiva, com cruezas, belezas, tendo a certeza que não tem nada de missão cumprida. A luta de classes, há quem a negue.

Quando o rapaz do ponto de ônibus me disse no início daquela tarde que de domingo a periferia era mais longe, nem ele, muito menos eu, sabia o quanto eu caminharia naquele dia chuvoso.

Sigamos o Plano…

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