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Arquivo mensal: abril 2016

Em 1934 setores da igreja católica pressionavam o Presidente Getúlio Vargas que iria substituir o então Ministro da Educação Francisco Campos. Um dos interlocutores do presidente era o intelectual Alceu de Amoroso Lima que indicou o advogado mineiro Gustavo Capanema.
Capanema trouxe consigo, como chefe de gabinete, o poeta Carlos Drummond de Andrade e com ele outros intelectuais como Rodrigo de Mello Franco, Mario de Andrade, Afonso Arinos de Mello Franco, Heitor Villa Lobos, Lucio Costa, Candido Portinari.
Foi um momento de excelência na institucionalização e na construção das políticas públicas de cultura e educação.
Em 2016, o vice presidente golpista, Michel Temer, negocia com o deputado pastor Silas Malafaia, um nome para o ministério da educação. Passados 82 anos retrocedemos dois séculos na relação igreja/estado e estado/intelectuais. Além de ilegítimo essa farsa chamada governo temer tende a ser obscurantista e retrógado.

Não há argumentos contra o golpe em curso. São todos vãos. A plutocracia já decidiu como seria o golpe e colocou o plano em prática. Para tal, usa corruptos para julgar, psicopatas para acusar e inocentes úteis unidos a cínicos e mau caráteres com altos índices de deficit civilizatório para defender no cotidiano.

Não dá pra falar em analfabetismo político, nesse contexto seria um misto de condescendência e subestimação, para julgar pessoas que sabem exatamente o que estão fazendo, incluindo os inocentes úteis.
Claro, existe a massa conivente, aquilo que Jean Baudrillard um dia chamou de "sombra das maiorias silenciosas". O tal silêncio é produto de vários fatores: da luta de classes que foi falseada por um governo de conciliação, de uma despolitização difusa, de nossa tradição cordial e contraditoriamente vingativa, da falta de participação política, do machismo (lembrem-se é uma presidenta), do personalismo dos opositores, e por que não, do personalismo dos aliados.
Não, constatar o golpe não é jogar a toalha, nem é ser complacente com aqueles que estão solapando o meu direito de votar, escolher e defender essa escolha, constatar o golpe é tentar entender exatamente o por quê dessa narrativa farsesca estar sendo naturalizada no dia a dia. Estamos a poucos passos de enterrar mais um capítulo da nossa frágil democracia e alguns erros se repetem.
Não se busca solução, nem combustível para um contra golpe vociferando contra as mazelas de nossa plutocracia, tampouco bradando e invocando a teoria do "espírito das leis" de Montesquieu, nem esperando comportamento republicano de onde a republica nem chegou, a solução passa primeiro pela admissão sincera dos erros, apenas isso inicia verdadeiramente um novo processo, no mais é luta, luta essa muitas vezes inglória, e aparentemente sem efeito, todo reinício é assim.
É hora de reatar diálogos, de expandir círculos de debate, de olhar para aquilo que é estruturante e muitas vezes desprezado, que dá base e lastro para um nova caminho, a política cotidiana renova sua importância. Os plutocratas golpistas nunca saíram do seu lugar, o momento é de marcarmos nossa posição com luta e discernimento e renovarmos os nossos lugares.

Existem histórias que chegam no ouvido da gente feito um tapa seco. Dramas pessoais que colocam as grandes farsas cotidianas no lugar mesquinho que elas devem ocupar.

É preciso olhar o outro que está ao lado e doar olhares, gestos e carinhos. STF, Congresso, realpolitik? Nem sempre a causa maior é a mais urgente.

Digo tudo isso pra que sejamos solidários e me incluo entre esses que olham em excesso pra cima sem perceber o entorno. E tudo fica muito próximo de um samba triste…

O “Ensaio” foi o programa de tv que melhor registrou a música brasileira e sua gama variada de compositores, intérpretes e instrumentistas.

O “Ensaio” foi o programa onde se ouvia o artista, a obra e o silêncio. Muita gente conheceu artistas e ouviu coisas inéditas através desse programa noturno da TV Cultura, que entrava quase sempre na madrugada, o que adensava a importância da voz off que fazia as perguntas.

O fato é que o “silêncio” era a alma do programa e o “silêncio” tinha nome, fez grande historia na produção, divulgação e na documentação da musica brasileira.

Fernando Faro, sergipano de Aracajú, era o autor do grande silêncio que contou a historia da música brasileira dos últimos cinquenta anos.

Fernando Faro era o silêncio do “Ensaio”.

Antes do “Ensaio”, que começou na extinta Rede Tupi nos anos 60 para depois migrar para a TV Cultura SP, Faro havia produzido programas como Divino Maravilhoso e participado da produção de discos e shows.

O Baixo, como era conhecido entre amigos, literalmente ouviu e registrou através da voz off e da meia luz, o depoimento e as canções de quem forjou a música brasileira.

Fernando Faro nos deixou hoje aos 88 anos.

Dá uma tristeza saber que se calará tão sonoro silêncio nesse mundo de barulhos inúteis.

Valeu, Fernando Faro…

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Neologismos e crise andam juntos. O último, proferido por uma sumidade recém aposentada pelo STF, é lapidar pela vergonha que causa, mas soluciona a crise de muita gente.

O ilustre jurista e bissexto poeta citado, criou um termo de contornos jurídicos e históricos, que preencheria eficientemente as necessidades republicanas do primeiro governo de Getulio ou dos períodos aureos dos generais Castelo Branco, Costa e Silva, Médice, Geisel e Figueiredo.

O poeta achou a palavra certa, o jurista a filigrana legal.

O ex ministro do supremo, Ayres Brito, jogou luz nas trevas, cessou a angústia de temers, cunhas, marinhos e frias, deu sentido ao circo midiático de domingo na câmara, endossou a tese do senador serra de que a nova república chegou ao fim, está inaugurado um novo período na história do Brasil, a PAUSA DEMOCRÁTICA.

Historadores, politicólogos, sociológos, filólogos, psiquiatras, sanitaristas, uni-vos, para que nós entendamos a nova fase em que vivemos.

A hipocrisia é o combustível do país farsesco que teve na votação pelo impeachment no domingo sua apoteose.

Quer dizer que a Presidenta Dilma sofre o golpe através de um impeachment sem crime de responsabilidade – foi isso que aconteceu, os golpistas insistem que não, mas não provam o contrário, porque não há como provar – e tem que ficar quieta, resignada, recatada, do lar?

A mídia internacional está se manifestando contrariamente porque o que ocorreu é farsa, armação, golpe e os grupos que promoveram essa bazófia não contavam com a verdadeira liberdade de imprensa que vigora além dos interesses escusos da mídia familiar brasileira.
Não adianta a Miriam Leitão, o Merval e o Noblat estrilarem e culparem a mão por ter agredido a palmatória. Acusem e chamem agora, o The Guardian, o New York Times, o El Pais, o The Independent, até o eterno aliado das teses conservadoras, The Economist, de órgãos informativos petralhas.

É muito fácil promover um matrix embromador quando se monopoliza difusão e informação , quando se engendra um discurso único repetido acriticamente por uma multidão de cultores da CBF com ódio e rancor no peito, mas a ópera bufa deu ruim.

O golpe repercutiu no mundo por conta do teatro, da farsa, que teve no espetáculo promovido pelos deputados ungidos por deus, pela família, pela propriedade, que gerou cenas deprimentes e rodou o mundo, um ato apenas, precedido por uma armação que envolveu a oposição, parte do judiciário e a mídia que armou o palco.

As críticas e as denuncias nacionais e internacionais são baseadas em fatos, fatos distorcidos diuturnamente num jogo de manchetes, lides e imagens manipulados numa tentativa de criar uma outra narrativa, só que esqueceram de combinar com os pares internacionais.
Golpe é golpe.

Quisera, Dilma fosse criticada pelos seus verdadeiros erros, e não foram poucos, o fato é que a quem quer derrubá-la não interessa debater e melhorar a economia, acertar os equívocos de gestão, tampouco encaminhar uma reforma política que corrija as distorções históricas do sistema.

Derrubar Dilma hoje é garantir que o país amanheça nas mãos de Michel Temer, anoiteça com Eduardo Cunha e passe uma longa madrugada com José Serra.

Estou cético, não acredito que essa vergonha internacional irá conter a escalada golpista, até porque o sócio majoritário lê o The Economist e está pouco se importando com as críticas, de toda maneira a marca indelével do golpe estará em todos os personagens citados acima, o custo é levá-lo para a posteridade.

#StopCoupInBrazil
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Composta e gravada em 1933 por Noel Rosa, “Não tem tradução” já foi subestimada como uma composição ufanista por quem não entendeu a ironia fina do compositor de Vila Isabel.

Se o samba naquele tempo não tinha tradução no idioma francês ou inglês, oitenta e três anos depois a depender da mídia, nós é que ficamos intraduzíveis, a palavra golpe não tem tradução e está proibida no idioma português brasileiro.

Só se fala em golpe nos idiomas francês, inglês, alemão…se hoje vivesse, o que diria, Noel???

Essa gente hoje em dia
Que tem a mania de exibição
Não entende que o samba
Não tem tradução
No idioma francês
Tudo aquilo
Que o malandro pronuncia
Com voz macia
É brasileiro
Já passou de português