arquivo

Arquivo mensal: abril 2011

Abusados: ele, não abriu mão das teclas negras no samba, ela, ousou cantar baixinho, ser negra e não “cantar samba”.

Um era Alf e a outra Alaíde.

Os dois migraram para São Paulo em busca de espaço em pleno furor bossanovista no Rio.

Aqui ficaram.

Brilhantes e singulares, cantores e compositores (Alaíde esconde e resiste a este quesito), portadores de um repertório próprio e único.

Localizá-los e enquadrá-los nas ondas da música brasileira é um martírio. Pela vida os repertórios se cruzaram.

Alf, recatado e ourives de harmônias, faleceu há pouco, quietinho. Tem legado e história rica, lhe falta reconhecimento, que quando vier, se vier, na certa será tardio.

Alaíde esta com a gente, cantando ainda baixinho para os botões que se interessam a ouvir os silenciosos e ousados movimentos da música brasileira. Discreta, ela quase se desculpa por ser tão sublime. Espera ou nem espera, viva, pelo tal reconhecimento.

Os dois nunca mostraram despeito ou amargura, são leves demais pra isso.

Este post foi produzido no espírito de  inveja inspiradora que a entrevista feita por Pedro Alexandre Sanches com Alaíde Costa, publicada na Revista Forúm me causou.

Inveja elegante e silenciosa como os dois citados. Por isso, me dá um desconto, Pedro?

São Paulo quer se perder de nós o tempo todo. Pensamos ter São Paulo, na memória, na retina, pensamos lembrar São Paulo, mas ela não esta mais do jeito que lembramos. Seja o tempo que for, seja quando for, seja como for, ela mudou e sempre despercebida. São Paulo muda com a sanha leviana da independência, se perde tal qual um ser abusado, que se dana em excessos, que escorre nas suas próprias ruas. Em especial, a área central que tem delimitado o começo geográfico, mas não imaginário. Este início, se insinua no Parque Dom Pedro, entre o Tamanduateí fétido que dialoga com a Ladeira Porto Geral e com a General Carneiro. Desemboca na opulenta XV de Novembro, sempre em parceria com a mais alta, Rua Boa Vista, que nas noites ficam ambas entregues às “sobras” de humanos e de dejetos humanos, saldo negativo das fartas contas ali operadas durante o dia. Optamos pela Rua Direita que já foi sambão jóia dos Originais, que se perde num romantismo longínquo, nem sombra, nem sombra… Mais à direita um Largo do Café, no escuro e fechados os estilizados espaços para os já quase extintos engraxates. Perto da Bento, o Estado (guarita da PM) e a Igreja juntos. Outro dia ali em plena Virada (Cultural), pude ouvir o nada paulista Eumir Deodato tocar. Olhando a dupla o renitente Café Girondino aberto toda noite. Mais a frente o fetiche que Adoniram avisou para a Eugênia, o britânico Viaduto Santa Ifigênia, que hoje nem atravessei. O propalado efeito “contaminação” dos espaços culturais que supostamente qualificariam o entorno, não passa de mais um empáfia enganosa dos tucanos. Os espaços funcionam em horários escassos e no restante do tempo servem de sombra para os miseráveis que dormem, se escondem ou simplesmente vivem nas suas margens. Longe das orquestras e dos balés que lá se apresentam. Desvio mais o caminho, e então, a Praça Patriarca, lugar em que anos atrás escondia seus suntuosos prédios com elevadores da década de 20, sebos de discos e livros. Eles não existem mais , como tudo na cidade ou migram ou desaparecem, estão em outras partes do centro. A noite estes extintos sebos se tornam lembranças ainda mais vagas, lembro de um especificamente: Musicanto. No caminho um casal das ruas com o rosto descarnado. Impossível não olhar. Dureza da vida! Viaduto do Chá que já foi versado e burlado pelo Joelho de Porco de Terpins e Albanese (“Andando nas ruas do centro, cruzando o Viaduto do Chá …”). Nas beiras, meninas sorridentes usam de background a Nove de Julho e a Praça das Bandeiras ao longe, para compor suas instantâneas digitais. Correm risco, podem aparecer alguns desvalidos e surrupiar a sua máquina. Não acontece. Seguem ainda sorridentes iluminadas pela glamorosa luz do Shopping Light. Chegar em frente ao prédio do Velho Mappin, que sempre me remete às falas de Antonio Del Fiol: “É só nesse sábado” propagandeando as liquidações da distante loja de departamentos. Mas São Paulo não é apenas saudade, é presença, ta lá o Teatro Municipal, que aparece atemporal, solerte, estilo eclético, construído no Morro do Chá, perene, uma presença “ausente” da cidade, democrático ao menos nas suas escadas, quando não há tapumes, onde muitos conversam, descansam, desfalecem, esquecem que a cidade não perdoa. Não há opera ou concerto que acorde o sono de descanso da cidade do cansaço. Viver em São Paulo, viver nas suas ruas, sei lá, só quem vive para saber. Eu pergunto um dia, juro que pergunto … Quebro a Dom José de Barros no rumo da Rua 24 de Maio, das galerias que foram soberbas da riqueza, dos serviços requintados de uma Sampa que já era, nem era Sampa quando o era. Hoje as Galerias emprestam suas escadas rolantes obsoletas para o rock e suas derivações, para seus artefatos, ou para a música black e também para os salões onde os estilos de cabelo se afirmam em beleza. E tem a Barão de Itapetininga que para mim, lá nos anos 80, abrigava a velha Brasiliense, onde eu sugava tudo que podia da Coleção Primeiros Passos aos beats que descobria. Economizava e comprava. Mais: Caio Fernando Abreu, romance policial noir, a Brasiliense argüida por Caio Prado. Lá no canto a Sete de Abril, da Galeria da Livraria Francesa, no mesmo lado a Loja de Discos Wop Bop, onde me fartei de flertar com discos impossíveis pro meu bolso, mas também onde descobri outros tantos. Esta São Paulo era minha, acho que de tantos outros, mas julgava meu melhor lugar para fugir. Correr a calçada da Praça da Republica, logo ao descer do Metrô, e entortar na esquina famosa do baiano polêmico, olhando de longe dá pra ver e já sentir o gosto do Mate com Leite, encravado na São João, eram três, agora duas lojas. Mate com leite e morango, às vezes mate com leite e aveia, enganava fome e rumava para o Datafolha (trabalhei ali) enganado com o salário e a enganar milhões. Avenida São João noturna assusta. Já não há mais o uma loja de ponta de estoque de livros (chamada de cemitérios das editoras) que funcionou ali até meados final da década de 90 e o sanduba da Ceratti, não há atrações. Sim, há os ônibus passando e cinemas decadentes com programações obscuras que servem de fato para o trottoir imóvel de alguns. Atravessar as avenidas cruzadas e ver o Bar Brahma, onde um dia ouvi Cauby Peixoto, também Ângela Maria, e que tinha no piano bar, isto antes da grande reforma, a pianista Maria, que tocava boleros, fossa brasileira, muzaks. Um lounge luxuoso cravado no centro da cidade evitada pelos mais “delicados”. Avenida Ipiranga onde eu ia adolescente saborear o milk shake de Ovolmatine do Bobs. Ela hoje espelho perfeito da gentrificação do centro, que expele e usa seu exército de nóias (inocentes nessa) para dar sentido de caos e afirmar: “não tem jeito mesmo!” Tome especulação e projetos mirabolantes: “Centro Novo”, “Novo Centro”, “Centro Vivo”, todos eles usando em matérias de jornal o termo “revitalização” como se não houvesse vida ali, como se a vida estivesse ainda por chegar. Avenida Ipiranga dos cinemas (como os da São João) que hoje são apenas tapumes sujos e prédios escuros, sem tela funcionando. Passar a perna rápida na Praça da República com seus cantos escuros, ali os meninos em viração, os encontros não marcados (por serem aleatórios na certa) e a velha tradição que um dia, Mário de Andrade, relatou e escondeu. Assistindo tudo o velho colégio Caetano de Campos, hoje prédio da Secretaria de Educação. Detalhe. Chegando pela General Jardim, Teatro Aliança Francesa, as meninas e os meninos ganhando na rua, o que perdem na vida. Desemboca na Amaral Gurgel, sombreada pela feiúra do Minhocão, que tem em sua extensão um flerte com o Largo do Arouche e um descarrego na Consolação. Vou chegando. General Jardim outra vez, na sua segunda e última parte, o prédio da Escola de Sociologia e Política. Em frente à mítica Biblioteca Monteiro Lobato, na praça. Biblioteca que dizem ser infantil, mas onde os agitos já foram para crianças e adultos. Boa lembrança e exemplo de ação cultural outrora na cidade. Volto ao prédio da faculdade, antigo da década de 30 (do século passado). Passeio no prédio, vou até o expediente da secretaria, preciso de um documento. Bendito documento que me fez ver a cidade que há tempos não via a noite e a pé.

Vista de Sampa (passarela do Fura Fila)

Amanhã tem Lusa x São Paulo na Arena Barueri. A Lusa se classificou “no limite da resposanbilidade” (rs), fazendo gol no último minuto, apesar de que pela combinação dos resultados já estava classificada sem o gol, assim rebaixou o time da minha cidade, o São Bernardo. O inesquecível Ananias – não há outro time no mundo que tenha um jogador com este nome – errou o chute e tirou o goleiro do São Bernardo da jogada, e vamos para as oitavas contra o São Paulo.

A memória, ah, a memória me açoita. Dois momentos: 1975 e 1985, duas finais do campeonato paulista contra o mesmo São Paulo.

Tarde de 17/08/1975, radinho de pilha Evadin no ouvido e os meus nove anos de idade , o palco era o quintal da casa da minha tia Mirtes (a mesma que dera o radinho de presente), junto comigo um vizinho amigo, torcedor do Corinthians, que para dar uma força vestia uma velha e surrada camisa da Portuguesa, sei lá como ele conseguiu. Não lembro mais o nome do menino e nunca mais o vi.

O jogo era disputado, a Lusa jogava bem, comandada por Dicá, meia habilidoso e de chute forte que já brilhara jogando pela Ponte Preta. Não vou me ater a detalhes, nem lembro direito. A Lusa ganhou no tempo regulamentar, Wilsinho cruzou certeiro e Enéas subiu e cabeceou bonito. Lusa 1 x 0 São Paulo.  O primeiro jogo tinha sido 2 x 1 para o São Paulo.

A  combinação dos dois resultados leva jogo para a decisão por penais. Waldir Peres, o goleiro do São Paulo, catimbou o quanto pôde. Os jogadores da Lusa pareciam nervosos. Começam as cobranças.  Pedro Rocha chuta e marca para o São Paulo, na vez da Lusa, Dicá, chuta a bola no horizonte perdido, depois nem sei mais, Wilsinho perde o segundo, Tatá perde o terceiro, no background de tudo isso, a catimba do malandro Waldir Peres, e o São Paulo campeão.

Já era noite, e a noite se fez em derrota. Dia seguinte no colégio, gozação que se repetiria por anos. E o velho papo de sempre: “Pôoooxa, até que a Portuguesa jogou bem” algo entre a indulgência e o deboche.

O radinho Evadin durou alguns anos e nada de títulos.

Dez anos depois já moço, 19 anos, Morumbi, dia 22 de dezembro de 1985. Novamente São Paulo x Portuguesa, tava no Morumbi, dia 22 de dezembro. No primeiro jogo, disputadíssimo a Lusa perdeu 2 x 1 e deu muito trabalho. Muitos torcedores da Lusa, coisa impensável nos dias de hoje. Sol de lascar, do meu lado, um grande amigo da época, Sergio Martins, fã de música e futebol. Jogo bom, disputado do lado da Lusa: Serginho (goleiro), Luis Pereira, Célio, Toninho, Edu Marangon, Toquinho, Luis Muller, do São Paulo: Dario Pereyra, Oscar, Silas, Muller, Falcão, Pitta, Careca. Jogaço!

Êxtase, Edu  Marangon chuta do meio de campo e tenta fazer o gol que Pelé jamais fizera. A bola vai caindo e toca caprichosamente no travessão superior e sai pra fora, quase, a sempre quase Lusa. Sidney abre o placar para o São Paulo, Esquerdinha empata, Muller marca duas vezes para o SP, encerra. De novo tal qual 1975, somos vice. Subi a pé a Geovani Gronchi, lá longe vi um senhor de cabelos brancos e um menino (devia ter uns 6 anos), os dois com a camisa da Lusa, perdidos em meio a um mar de são paulinos comemorando, a cabeça baixa, quixotescos.

O ingresso desse jogo ficou anos e anos dentro de um livro perdido na estante da casa da mãe.

Quem sabe amanhã, Ananias e Jael quebrem esta escrita? Dicá e Marangon, craques, não conseguiram. Vou torcer, sem o rádio Evadin e não vou comprar ingresso, para mudar a sina temos que mudar os costumes. Vai que dá certo.

A canção sem palavra. A palavra muitas vezes excede. Usamos palavras, herdamos palavras, franqueamos palavras. Elas tomam rumo incerto, viram palavras do outro, criam autonomia. Traem! A canção sem palavra abre-nos portas. A canção da palavra ausente, como ouvi um dia de alguém. Aquele minuto dentro da canção esperando a palavra que não vem. Pode ser alívio, dar espaço para a melodia que voa sozinha. A canção sobrevive sem palavra. A canção pode ser forte apenas com vocalises, sem claras palavras. A canção pode ser forte sem… Casa Forte em quatro tempos.

Hoje (20/04/2011) às 19 hs, entregaremos os prêmios do Concurso Literário de SBC, abaixo segue o convite formal e aproveito para convidar todos que passeiam pelo blog. Livro é importante, escritor deveras, mas leitor é fundamental … apareçam.

Realizado em2010, aprimeira edição do Concurso Literário de São Bernardo do Campo premiou 18 autores em três categorias: Poesia, Conto e Dramaturgia. Com premiações de R$ 10.000,00 (dez mil reais), o Concurso recebeu mais de mil trabalhos de todo o Brasil; a Prefeitura, pensando no desenvolvimento de escritores locais, reservou metade dos prêmios para escritores da cidade. Pinacoteca de São Bernardo. Rua Kara, 105, Jardim do Mar. Tel.: 4125-2466.Dia 20 (quarta) 19h   – 





A Virada Cultural ocorre desde 2005 e é promovida pela Prefeitura de São Paulo. São 24 horas ininterruptas de atrações de música, cinema, dança, teatro, circo …  espalhadas pela cidade (principalmente pelo centro) e alguns pontos da periferia. Frisson, loucura, apoteose … depois o silêncio. Em termos de investimento (divulgados foram 8 milhões de investimento direto, sem patrocínio) o custo é alto, em termos de politica cultural é um desastre.  Não se faz política cultural em 24 horas. Maravilha seria a Virada Cultural nas 24 horas escolhidas e  em várias “viradas” pelo ano todo. Ao invés de uma ação relâmpago, ações estruturantes, permanentes, mas … Quando critica-se a Virada Cultural não é por ser do “contra” ou birra, é dinheiro público que esta em jogo e concepção de politica cultural.

Deixando um pouco de lado a militância cultural e caindo na pura fruição, fui atrás da música. O ano passado (2010) confesso que a garoa e o excesso de público me afastaram da Virada,  timidamente assisti o Booker T no Palco São João, chegando com o show já começado e saindo com ele por terminar. Neste ano, três atrações me animaram de bate pronto: Fred Wesley, Skatalites, Eumir Deodato, duas delas conferi, uma eu perdi, mais vieram outras de lambuja, e valeu a pena.

Na noite de sábado cheguei por volta das 21:40 na Praça da República estava prestes a começar a apresentação do trombonista americano Fred Wesley. O velho Nelson Triunfo (agitador da cena e exímio dançarino de soul) apresentou Fred, que foi arranjador e trombonista de James Brown, George Clinton e liderou o JBs. Música de verdade com direito a um baixista da pesada que roubou a cena e detonou: Dwayne Dolphin. No mais, arranjos corretos de um cara que escreveu um capítulo considerável da historia do soul e um set list de matar barata no chão. Bom começo.

Pensei em ver o Skatalites, veteranos, precursores e sobreviventes da primeira onda do ska. Pensei, pensei. Desisti. O palco São João devia estar muito cheio.

Fui direto para o Palco Libero Badaró onde se apresentaria uma hora depois Eumir Deodato.

Cheguei lá e ainda tava no palco (exatamente meio da apresentação) o tecladista inglês Brian Auger e o Oblivion Express, que vem desde a década de 60, misturando jazz, psicodelia, blues, pitadas de soul. Sorte, sorte!  Durante a sua carreira ele tocou com Hendrix, Eric Burdon, Sonny Boy Williamson,  John McLaughlin … Na apresentação  esbanjou simpatia, misturou português com italiano nos agradecimentos, batera, baixo e a cantora Savanah Auger seguraram a onda. A hora de espera pelo show do Eumir foi recheada com a música de Brian Auger  e seu Hammond B3, cheio de camas malandras, que até então eu só havia escutado em disco. A emenda foi melhorando o soneto.

Eumir Deodato é daqueles músicos que já  chega com o show ganho,  junta grandes acompanhantes pela fama e pela qualidade, vale a pena elencar: João Castilho (guitarra) que debulhou nos solos, Renato Massa (bateria) , Leonardo Reis (percussão), Marcelo Mariano (baixo)  filho de Cesar Camargo Mariano e da cantora Marisa Gata Mansa, José Canto (sax barítono e flauta),  Jessé Sadoc (trompete), Aldivas Aires (trombone), Marcelo Martins (sax alto).

E descem versões maneras de Steely Dan (Do It Again), Led Zeppelin (Black Dog) , Rapshody in Blue (Gershwin), Peter Gunn (Henry Mancini) que nas mãos de um qualquer ficaria com uma salada de covers desconexos, mas nas leituras de Deodato se harmonizam e tomam novos rumos. Na exatidão anglo-saxã –  para acabar, porque o início atrasou –  uma hora e a apresentação chega ao final. No bis “Assim Falou Zaratustra” foi a certa para fechar e ficar na cabeça de todos.

Eumir veio de New York e deu conta do recado e da minha aversão à fugacidade da Virada. Fui dormir com música boa ecoando.

Na luz do dia teve mais. Foram dois pequenos drops. A grata surpresa da Orquestra Rumpilez do maestro baiano Letieres Leite, conduzindo percurssão e sopro, leveza de um domingo ensolarado, música com ritmo forte e melodias bonitas. Foram poucas músicas (novamente cheguei com o show começado) e um futuro a conferir. Já havia lido muita gente boa dando dica sobre os caras e ainda não tinha ouvido, agora vou atrás, e quando vierem tocar novamente em sampa, ratifico.

O outro drops foi no final,  já voltando para casa …

A dupla mais glam que poderíamos imaginar. Glam no brilho e na autenticidade, sem trocadilhos. No palco juntos: Maria Alcina e Edy Star. Alcina, risonha, quase heroína de  postura adorada e Edy bem longe do clichê raulseixistico onde tentam enquadrá-lo. Edy é bem mais, é cabaret, é sobejo de música brasileira das mais amplas areas. Edy sabe o ponto de equilibrio do cafona e do bacana.  Edy e Alcina, alternando figurinos, irônicos, rebolantes, dando sopa e show, contentes, cantando o triste Assis Valente. Com eles a Orquestra Urbana Arruda Brasil, ponteando malandros arranjos  Peguei quatro músicas do show. Mas valeu o riso e aquela tristeza recondita. Que Edy e Alcina jamais desapareçam.

Da Virada poderia ter visto mais ainda: Dom Salvador e Abolição com Tony Tornado, Edgar Winter, Sossega Leão (grande Skowa figuraço), Mad Professor, Erasmo Carlos, Slim Jam Phantom, Riachão e tantos outros. Mas não vi, porque a Virada são só 24 horas e não mais, claro que rolaram “viradas mais completas” que a minha, gente mais disposta e animada que correu o centro perdendo muito pouco. O fato é que não dá pra estar em três lugares ao mesmo tempo.  Já tá bom? Não, não tá, creio que a cidade merece colorir mais dias, e para continuar sendo chato, temos que rediscutir as várias políticas culturais a serem implantadas e os caminhos pelos quais elas passam. Virar a Virada. Fica a música que rola ainda na cabeça para pacificar e espantar os males …

Alberto Marsicano, paulistano, poeta, tradutor, músico, sincrético zen-umbandista, fez incursões em várias expressões. Discípulo de Ravi Shankar, ele trouxe a cítara (sitar) clássica para o Brasil. Participou de raves com performances em Goa (litoral da Índia), Portugal, País de Gales, e em outros cantos do mundo. Realizou concertos no Mosteiro de São Bento, em universidades brasileiras e gringas, produziu e apresentou programas de rádio. Foram sete discos gravados e colaborações em discos dos Titãs e do Stereolab, jams e colaborações com músicos e djs como Paulo Beto (aka Anvil FX), Ramilson Maia, Renato Cohen, Andreas Kisser, Zé Eduardo Nazário, Naná de Vasconcelos. Foi indicado ao Grammy 2007 para o melhor álbum de world music.

Segue pequena entrevista com Marsicano, parte por email, parte pelo bate-papo do Facebook…

1 – No início, Alberto…

No inicio como no fim. A Gandharva, a música celestial soando contínua, qual FM 24 horas.

2 – Música, Poesia quais as opções, caminhos e influências?

As artes são irmãs. Na Índia os templos são construídos segundo as proporções da métrica musical sagrada da poesia. Certa peça clássica musicais tem sabor. O raga Bhupali tem o gosto da manga e a cor laranja. A Shivranjani tem o gosto do côco e cor branca. Musica, arquitetura, poesia, dança e gastronomia interpenetram-se.Um dos segredos de minha literatura, poesia e tradução é o sentido musical destas através de meu ouvido treinado da citara. Tenho meu livro CRONICAS MARSICANAS – L&PM (biográfico pelo mundo) e traduções de Blake, Keats, Wordsworth, Shelley, Rimbaud, poesia clássica japonesa e poesia clássica coreana.

3- Onde e como pintou seu interesse pelo Oriente?

Lá mesmo.

4 – Alberto discípulo de Ravi Shankar, e daí qual seu trato com a cítara?

Na hora que recebemos o fio alaranjado no pulso que pontifica a iniciação (recebi o meu de Shankar) somos conectados a Gandharva, a corrente espiritual dos musis. Aí tudo muda e imergimos qual gota no vasto oceano da música sagrada.

5 – Arte em São Paulo, cidade da desagregação, como é possível?

São Paulo é um dos mais dinâmicos, rápidos e promissores pólos de cultura do mundo. Farol & centro magnético do terceiro milênio. Vampirizada por um grupo de medíocres que sufocam qualquer possibilidade de vida inteligente por aqui. Grassam no governo, nos mídia, televisões com intuito de destruir o que resta de cultura por aqui. A tribo cultural (principalmente os jovens) esta atenta. instituições como o Sesc tentam uma resistência cultural, impedindo sua completa destruição. Mas a arte e vocação vanguardista de Sampa (modernismo) escapam pelos poros. Críticos internacionais que aqui vieram para a última Bienal detestaram-na, mas vislumbraram algo novo e de vanguarda nos grafites que contemplaram com muita alegria nas ruas. A arte se mantém e aflora mesmo com essas urucubacas da cultura oficial atrapalhando. Sampa é a terceira maior cidade do mundo, mas não aparece no cenário cultural mundial. ninguém fala nela. Por quê? São essas múmias que atravancam tudo. Os jovens artistas que produzem coisas incríveis e novas não encontram espaço. Essa ‘virada cultural’ é uma piada. Fui indicado ao 49th. Grammy (USA) e não fui convidado, como vários amigos meus, músicos de ponta da cidade. Não conseguimos tocar em nossa própria cidade.

6 – Projetos novos?

Tradução da poesia clássica chinesa (2.500 AC) que desenvolvo no instituto Mandarim e Citara e Viola Caipira com o grande schollar da viola e instrumentista Ivan Vilela e um CD já gravado em busca de gravadora com o título de  “Sítar Beatles”.

Valeu Alberto!!!