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Arquivo mensal: maio 2018

Militância política se dá na prática e não dentro de uma eterna teoria que adia a ação até o fenômeno se extinguir.

Não é o caso de desprezar a reflexão e agir desordenadamente, mas se formos ponderar sobre tudo que pode “dar errado” ou “pode não dar certo” antes de tomarmos uma atitude, o mundo seguirá interrompido nas nossas minicertezas.

Nos últimos dias houve um debate surdo mudo entre duas correntes da esquerda no mundo virtual, o assunto é a greve/locaute dos caminhoneiros:

1 – para um grupo o locaute (greve?) é um movimento de direita capitaneado por empresários e que na fatia trabalhadora prevalecem os fascistas, bolsonaristas, etc. Esse grupo é híbrido quanto à posição que deve ser tomada, que vai desde “não temos nada a ver com isso é coisa de fascista” até o desejo de articular um movimento paralelo genuinamente esquerdista, para fazer frente à dupla Temer/Parente;

2 – para um outro grupo o movimento é legítimo (apesar dos interesses dos patrões atrelados) e a esquerda deve apoiar ou participar efetivamente da greve (locaute?) apesar da prevalência de conservadores dentre os caminhoneiros, o principal argumento é que a conjuntura muito específica coloca a direita e a esquerda diante de um confronto em relação à corrosão neoliberal provocada pelo governo Temer.

Desde quarta passada com o encadeamento de fatos e a reação dos diversos atores (trabalhadores, governo, congresso, etc) esses dois grupos foram variando seus apoios e resistências diante das contradições produzidas. Os entusiasmados, os céticos e os inativos foram mudando de posição.

A despeito das convicções e razões de cada parte, o que ficou claro nessa semana de crise é que a inatividade é o pior caminho.

Estamos impotentes diante das transformações do mundo do trabalho, não há clareza de como lidar com a política de precarização e o aumento da exploração que se apresenta como caminho sem volta no pós quebradeira de 2008. É preciso construir uma agenda clara sobre isso, independente de eleição e outros ritos institucionais, há uma necessidade de uma nova postura.

Na batalha das narrativas, a palavra “disputa” foi ironizada pelos céticos, apocalipticos e inativistas, sob o argumento de que não se disputa “movimento fascista”. Em primeiro lugar, disputa é algo indissociável da luta de classes, ela se dá nas condições mais diversas, isso faz parte da essência da luta à esquerda. Quando se fala em disputa, ela não está circunscrita a esse movimento de caminhoneiros, mas a toda relação capital/trabalho, com as contradições e os desafios inerentes.

Fazer frente à precarização do trabalho que se aprofundou nas últimas décadas, tendo na destruição da CLT um momento emblemático, é tarefa prioritária e inadiável da esquerda e qualquer oportunidade que envolva precarizados.

A despeito dos resultados das negociações entre governo e trabalhadores e empresários nesse affair diesel Petrobras, fica a expectativa de que as centrais sindicais e os sindicatos formulem uma ação conjunta para fazer frente à corrosão das condições de trabalho e o impacto que o pacote de políticas neoliberais, opera sobre elas.

É uma pauta que converge os interesses de milhões de trabalhadores e desempregados, é uma multitarefa que exige esforço de vários segmentos para além dos sindicatos.

Quanto aos céticos, apocalípticos e inativos eles continuarão nas suas poltronas esperando as condições ideais.

A greve dos caminhoneiros explodiu vários barris de pólvora na sociedade, sobretudo os cognitivos.

A batalha de posts nas redes sociais, denuncia um total desconhecimento sobre a realidade de certos segmentos de trabalhadores.

Parte do campo progressista se esmerou em esmurrar a lógica, deixou de admitir as contradições e a realidade concreta, optando por convicções forjadas à distância, sem contato direto, infundadas, baseadas em preconceito e desejo.

Termos como pobre de direita, fascistas, burros, bolsonaristas, alienados, manifestoches, desenharam falas preconceituosas e reducionistas. Todo o jargão vazio que se supõe contraponto para fazer frente ao avanço da direita, numa realidade complexa e fragmentada, nada mais é que do que a reprodução do discurso preconceituoso com o sinal trocado.

A palavra disputa foi demonizada e refutada sob o argumento que não se disputa movimento fascista. Raciocínio frágil que esquece que existem diversos motivos pelos quais esses trabalhadores optam pelo caminho conservador, o principal deles é a desistência da esquerda em disputar espaços litigiosos e a prevalência dos julgamentos alimentados pelos preconceitos acima descritos.

De maneira geral, grande parte da esquerda encontra imensa dificuldade em dialogar com a precariedade, com quem fala errado, com os desvalidos das proteções públicas e privadas, com quem “não vota no lula” ou mesmo vota, mas não pelos motivos “nobres”, gente sem “charme”.

A propalada “disputa” começa com a aproximação com essas pessoas, ela tanto pode se dar no quente, no meio dessa greve por exemplo, como de uma forma mais planejada e organizada. Se realmente a esquerda quer retomar algum protagonismo, essa DISPUTA que é cheia de contradições e entraves deve ser iniciada.

A precarização do trabalho aflige milhões de pessoas. Motoboys, trabalhadores do telemarketing, marreteiros que trabalham para diversos patrões, homens placa, o shopping trem, os meninos, meninas, velhos e velhas que vendem de tudo nos faróis. Gente desprotegida, desvalorizada, cinzenta e esquecida.

Os caminhoneiros também são parte disso, dias, horas a fio na estrada, longe da família, de onde vivem, solitários, pressionados por prazo, medo de assaltos, fretes mal pagos e o estopim fatal: a espoliação no preço dos combustíveis.

Todos esses trabalhadores são vítimas do período de pré extinção da CLT, agora com destruição oficial, tudo piorou de vez, a precariedade está legalizada para ser expandida. Se dar respostas a essa precarização não é papel da esquerda, vou começar a acreditar que essa choradeira de golpe e o coitadismo alardeados no facebook são a nossa palavra oficial.

Na rua onde moro em São Bernardo, dezenas de motoboys estacionam seus veículos aguardando trabalho ou descansando entre uma tarefa e outra. Não é raro vê-los dormindo ao sol no meio da calçada. Precariedade no trabalho e no descanso improvisado.

Há uns três meses, eu voltava pra casa do almoço, lá pelas 13:00 e vi um deles, preenchendo um livrinho que parecia palavra cruzada. Olhei curioso, e por já me conhecer, visto que passo ali todo dia, ele me respondeu sem eu perguntar:

– É sudoku, gosto muito disso aqui, é bom pra pensar, senão a gente acaba virando bicho, né?

A vida cotidiana nos ensina muito, basta estar atento. A fala do motoboy é um sinal claro de resistência, mesclado com um pedido de ajuda.

É esse o trabalhador desorganizado, abandonado, que é fruto da desindustrialização, da queda do muro 1989, da explosão da bolha imobiliária 2008, do austericídio, da mercantilização da vida.

São os corações e mentes que se não forem ouvidos, se tornarão cada vez mais o exercito de contingência da barbárie. Não são pobre de direita, burros, etc, são resultado do sucateamento da saúde, da educação, dos direitos sociais, abandonar esse povo é abandonar a única forma sustentável de reação à hegemonia neoliberal.

Os moços, moças, idosos, idosas, crianças, trabalhadores anônimos, gente que a gente vê, mas não enxerga, todos eles sem exceção, não querem ser tratados como bichos. Qualquer hora é a hora de olhar para eles.

O que era o par da igreja, virou imagem ausente, virou vidas espalhadas na praça e pelo mundo.

O que era o rude lugar da acolhida de pessoas, o teto, virou foto antiga.

O que era a referência pixada de histórias da polícia, da ocupação, do abandono e dos abandonados do Estado, hoje é mais um hiato no centro do centro dessa cidade São Paulo.

O Largo tá lá, o Ponto Chic ta lá, a feira do rolo tá lá, a vida de quem vem e de quem vai tá lá, tudo no entorno segue como sempre.

Mas há um vazio na foto…

O rapaz fica diariamente perto do Extra da General Olímpio, Barra Funda. Ele não aborda ninguém, não pede grana. Sorri e fala sozinho às vezes, responde simpático às saudações de bom dia, boa noite, etc.

Um pouco mais cedo eu tava passando no Viaduto Pacaembu e vi um espectro lá embaixo, na beira da Avenida, alguém fazendo abdominal sobre uma caixa de papelão. Fiquei curioso e pude ver de longe que conhecia.

A noite já estava velha na Barra Funda, vi Fernando de novo no mesmo lugar e perguntei:

– Há quanto tempo você está na rua?

Ele sorriu e respondeu:

– Eu nasci na rua, moço, não sei o que é outra vida…

– Ontem eu te fotografei de longe fazendo abdominal pertinho da avenida, posso colocar a foto e um pedacinho da sua história?

– Faço exercício sempre que posso, o corpo dói menos. Durmo no chão, ando muito por aí…

Continua:

– Já tenho idade, estou com trinta e seis anos, tenho que me cuidar. Pode colocar sim, é bom pra esses jovens preguiçosos aprenderem que a gente não pode parar….

A vida de Fernando não para. Já entra outra noite na General Olímpio e as histórias do lugar também não param.

O assunto é a esquerda na eleição 2018. Eu tenho lido tanta insanidade, que confesso um certo receio de escrever esse post.

Vamos lá. Em primeiro lugar dois pressupostos:

1 – eu creio que haverá eleições 2018;

2 – desde que esteja na opções da cabine, meu voto é Lula sem nenhum vacilo.

Então, Ciros, Boulos e Manoela têm todo o

o direito de lançar candidatura e de adotar um comportamento de campanha eleitoral. São candidatos devem agir como tal.

O PT apostou na postura correta de insistir na candidatura Lula até o limite do possível. A tônica é: não há plano B no campo visível e na luz do dia. Ótimo. Porém, PDT, PC do B, PSOL não são obrigados e nem devem esperar o resultado da confirmação ou não da candidatura Lula para fazerem política e conversas, inclusive subirem em palanques.

União da esquerda, não implica em renuncia de nenhuma das partes.

A esquerda não pode conversar com o centro e o centro direita? Lembrem-se que um importante Ministro do Governo Lula foi Henrique Meirelles, um dos faróis do neoliberalismo em terra brasilis. O contexto era outro? Era. Meirelles de hoje é pior do que o Meirelles de ontem? Não, Meirelles é o Meirelles. E isso é da política.

Não conversamos e não pactuamos com golpistas? Ok. Se formos levar isso a ferro e fogo, romperemos com o MP, a PF, o STF, o setor financeiro (que aliás rompeu conosco há tempos), todos tão golpistas quanto os grupos políticos formais e seguiremos uma trilha de rupturas até chegarmos a insurgência popular. É esse caminho?

Eu acredito que a pureza da resposta das crianças da esquerda Gonzaguinha, serve pra muito pouco ou quase nada nesse momento. Serve sim, para disputa de ego, troca de socos e pontapés entre setores muito enfraquecidos na conjuntura e para produzir bravatas, muitas bravatas.

Nesse momento, as ponderações superam as máximas, esperar é preciso.

O arroz é soltinho, frango cozido e assado na forma. Simples. Jantar na mãe.

E as histórias que eles contam…

O pai do meu pai, Julio do Couto Pinheiro, alfaiate, músico amador, saxofonista da banda de Ibiaí. Meu pai hoje lembrou das leituras do seu pai:

– Gostava de Alexandre Dumas e Érico Veríssimo e não ligava pra deus, os parentes reclamavam, porque eram muito carolas…mas ele só queria saber dos seus escritores preferidos.

A minha mãe lembrou das refeições coletivas com os irmãos numa gamela de madeira:

– Era uma gamela de madeira grande, cheia de feijão, arroz, farinha e carne, uma colher pra cada um…Antonio fazia uma risquinha e ninguém avançava no pedaço dele…

O ateísmo desafiador do meu avô que nasceu em Januária, mas foi criado em Coração de Jesus, terra onde deus não faltava e a refeição coletiva e afetiva da minha mãe e os irmãos na gamela, são parte da minha história.

Conheço o centro de SP. Carrego o orgulho meio jeca, provinciano de saber me movimentar pelo centrão desde a época de moleque. Garimpar os sebos de discos e livros, tomar mate com leite, conhecer as ruas, os tipos, o frugal e a barra pesada.

Com o tempo esse orgulho foi somando outro orgulho: a maioria das pessoas despreza, tem medo ou nutre aquele saudosismo improdutivo do centro de SP. Quem anda de carro sobe o vidro e ignora o entorno, quem é obrigado a passar eventualmente, o faz como se tivesse enfrentando um martírio. Daí, o orgulho de andar a pé por esses quadriláteros, no meio do povo esquecido, orgulho de classe.

Medo produz medo, medo promove abandono e o centro é um dos produtos da cultura do medo. É a fatia da cidade que todo mundo acha lindo pelos nichos de arquitetura europeizada, mas foge da gente cinza que nele anda e do cheiro de urina das suas ruas.

Ontem eu recebi a visita do meu sobrinho Ruben e da sua companheira, que moram em Belo Horizonte. Eles me pegaram na Barra Funda e fomos almoçar no Centro. Queriam “comida de verdade”. Pensei no Ita, o velho restaurante da Rua do Boticário, 31. O Ita estava fechado. A fome se resolveu no La Farina na Rua Aurora.

No caminho entre o Ita e o La Farina, passamos em frente ao velho prédio da PF na esquina da Avenida Rio Branco com a Rua Antonio Godoy. Sempre que passo ali em frente, me vem a imagem do Romeu Tuma e das sacanagens que devem ter rolado na sua estada naquele prédio.

Há uma ocupação nesse prédio há anos, ela é uma espécie de síntese das coisas que personagens como Romeu Tuma fizeram para o Brasil da ditadura para cá. Abandono, violência, cerceamento de direitos, destruição planejada.

Acordei cedo hoje, primeiro de maio, dia de comemorar o trabalho, dia de comemorar em protesto mais do que nunca. A primeira imagem que veio na tela quando abri a web, foi a do velho prédio da Rio Branco com a Godoy em chamas.

De pronto lembrei do Andraus e do Joelma, a metáfora da ditadura e do seu ato contínuo, o povo que ocupava o prédio até ontem, a pobreza das pessoas e o abandono do centro, gente sem nome que vive no meio de fios soltos, umidade, escadas cheias de lixo, elevadores quebrados, gente do Centro.

Tenho o costume de clicar o Centro, congelar digitalmente as minhas peregrinações centrais. De novo coisa de jeca, o jeito possível de tecer uma crônica imagética e continua dessas andanças e das histórias nelas entrelaçadas. No meio disso tudo existem alguns registros do prédio da Rio Branco com a Godoy, longe de estar pleno, mais ainda firme na decadência.

Hoje ele é apenas memórias e cinzas.

As fotos são de 2015 e 2016.