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Arquivo mensal: julho 2018

– Moço me da uma água , eu preciso porque tenho problema nos rins.

São 0:44 na Barra Funda, é noite de lua, nem vento tem.

O rapaz que nos pede água é umdos corpos que se move pelas ruas, tenso, resoluto. São vários, uns andam rápido, outros se detém em cada passo que dão. São lógicas diferentes sob razões apenas aparentes.

– Não tenho – foi a primeira palavra que veio na boca, autodefesa de atônito.

Minha companheira, mais atenta, entregou a garrafinha pedida, com um quarto de água e me lembrou que eu tinha uma igual na sacolinha. Entreguei e recomendei:

– Se cuida, rapaz…

Ele saiu rápido e emitiu um ruído irônico, não agressivo, um jeito próprio de agradecer, ser simpático, sem perder um minuto. A vida corre e a sede é detalhe.

Seguimos mais um quarteirão, dois, três e vários outros corpos em sombra apareceram e desapareceram. Muitos não nos abordam mais, desistem de dizer algo. Vão direto às sobras que a cidade lhes impõe.

É uma comunicação surdo muda, sem esperança.

As ruas da Barra Funda são parte dessa coreografia triste que se repete em todas as ruas de São Paulo/2018, onde muitas histórias são apagadas e desconstruídas na crueza e no abandono.

Nessa madrugada seca, um quarto de uma pequenina garrafa de água foi o único elo/diálogo possível com um corpo que cada vez mais desconhecemos.