Venho tentando reatar o costume de acordar cedo pra ler. A leitura das manhãs é sempre a melhor. O sono alivia as ideias, a leitura se torna mais atenta, mais produtiva. Meu pai costuma ler nas manhãs, copiei.
Acordei cedo hoje, mas não li nada. Até tentei, mas fui raptado por ver coisas do futebol. É dia de jogo da seleção. Revi o documentário “Lei do Passe” feito em 1974 pelo cineasta mineiro Oswaldo Caldeira. O tema: Afonsinho, o jogador que cruzou a linha da lei do passe.
Em 1971, Afonsinho que nasceu em Marília, no interior de São Paulo, jogava no Botafogo carioca e se revoltou contra o técnico Zagallo e os dirigentes. Cabeludo, barbudo era estigmatizado, mas sua principal rebelião não foi estética, foi política, contra a escravidão imposta pela pela lei do passe, que colocava o atleta como servo da cartolagem e dos clubes.
Afonsinho e seu pai, um trabalhador das ferrovias que se tornou advogado, foram à luta e ganharam da cartolagem, eles foram à justiça comum, driblaram a draconiana justiça esportiva, e de forma pioneira, o rebelde cabeludo adquiriu o passe livre. Apesar da jurisprudência, a lei do passe livre foi ratificada apenas em 1998, 27 anos após Afonsinho dar o primeiro chute.
O pioneirismo de Afonsinho diz muito sobre a relação do jogador de futebol com a indústria boleira. O hábil jogador mariliense era articulado, estudante de medicina, seu pai um operário engajado, ele tinha subsídios para enfrentar uma lógica exploratória e ainda venceu de forma apertada e provisória.
A maioria dos jogadores são provenientes das classes populares. Alguns poucos saltam de uma infância de precariedades para uma vida mais confortável, desses uma ínfima parcela atinge o estrelato. É curto o período entre a ascensão, o auge e o declínio. São rapidamente consumidos.
Afonsinho junto com Sócrates, Nei Conceição, Alex e outros poucos nomes, são exceções conscientes dentro de uma regra que coloca o jogador como sujeito sem voz, ator de palco com os bastidores vedados.
Reclamamos de atitudes heroicas dos jogadores de futebol, mas esquecemos que no fundo ele é um trabalhador, incomum, mas um trabalhador que, apesar dos casos isolados de pujança e ostentação, enfrenta os mesmos problemas da relação capital/trabalho.
Desde a vitória de Afonsinho em 1971, muita bola e grana rolaram nas canchas do mundo. As formas de exploração do ultraliberalismo se sofisticaram e o brilho do jogador serve a tantos interesses que uma batalha jurídica não bastaria pra minimizar a apropriação da arte de jogar. O capital não perdoa.
Da minha parte, sempre estarei do lado daquele que faz os gols no jogo jogado. Nos intervalos fazemos a luta da politica, sem querer ser perfeito…
“Dando um tempo, dando um jeito
Desprezando a perfeição
Que a perfeição é uma meta
Defendida pelo goleiro”
eu, sigo preferindo a imperfeição do gol.