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Arquivo mensal: março 2022

Leio aqui e ali que uma banda punk ucraniana fez uma versão de “London Calling” do The Clash com o intuito de denunciar o conflito com a Russia.

Ontem, o Brian Meir divulgou na sua pagina aqui nessa rede, uma foto retirada do Instragram da tal banda, em que dois dos membros exibiam uma camiseta do Stephan Banderas, lider protonazi ucraniano, que capitaneou movimentos ultranacionalistas na década de 20 e que é um dos ídolos do conglomerados nazi da Ucrania atual, fenômeno que a esquerda ucraner, ao arrepio de todas as evidências históricas e factuais, insiste em dizer que não existe.

O The Clash de Joe Strummer não toleraria isso. Neonazis usando sua composição seja para o que for. Não tem nada a ver com Clash, com punk ou com qualquer expressão de perspectiva crítica. O punk rock foi uma das principais referencias estéticas e artisticas para mim. Para além do simples “do it yourself”, sempre houve no punk (ao menos em uma ala) o desejo de mudança da perspectiva da classe trabalhadora e dos grupos marginalizados.

Como disse acima, Joe Strummer, um sujeito com nítidas posições políticas à esquerda não apoiaria tal banda e a propaganda que fazem com sua música. Essas distorçoes não são mero detalhe, a guerra cultural é insidiosa e há incautos prontos para reproduzir o que se quer ouvir.

Nazi punks fuck off.

Não é preciso ser especialista para reconhecer que a precarização do trabalhador não é uma novidade. Ela é uma constante desde sempre. Porém, também não é preciso ser especialista para perceber que a precarização vem avançando a largos passos, no mesmo ritmo que a crise economica mundial vem apresentando da forma mais óbvia a essencia do capitalismo: acumulação + miséria.

O abismo entre os muito ricos e os miseráveis vem desenhando a precarização do trabalhador e mesmo o seu desaparecimento, não são poucos os trabalhadores que caíram nas ruas sem opção, caminhando diretamente para a morte. É so olhar ao redor, esse quadro está nítido nas ruas.

Ontem, como de costume, eu fui ao supermercado fazer uma pequena compra, aliás, cada vez menor e pinçada em ofertas. Sempre vou no supermercado perto do fechamento para não enfrentar filas e para poder fazê-lo com calma. Ontem nao fui tão tarde e o movimento estava maior. Fui, vi e perdi, como em cada ida a supermercados, uma caminhada de prejuizos. No final, a “surpresa”:Moço, ao lado do último caixa, a partir de hoje, temos o autoatendimento…

A moça foi atenciosa e gentil, me orientou passo a passo, no final a frase melancólica:

  • Foi facinho, né?

Sim, moça foi facinho – pensei sem falar para conter o misto de ódio e tristeza causado -, porque tem sido fácil mitigar e destruir o unico recurso que o(a) trabalhador(a) tem para sobreviver: a força de trabalho. O diálogo curto com a moça gentil foi uma espécie de síntese do sentimento que a precarização causa: a sensação do enforcado indo para o cadafalso com a docilidade e resignação, fruto da falta de alternativa. É cruel, duro e real.

Em todas as crises do capital o maior recurso que ele carrega para garantir sua reprodução e acúmulo é o aprofundamento da bárbarie. É por isso que o nazismo e as demais manifestaçoes extremadas, racistas e destruidoras são subsídios recorrentes do capital. O discurso da democracia liberal é o canto de encantar serprente preferido para embaralhar essa interdependencia.

Saí do supermercado com a sensação de ter sido derrotado novamente e de que essa derrota já faz parte de uma barbárie naturalizada e percebida como destino incontornável. Escrever e dividir resta como uma forma de luta.

Pode até ser que tudo que escrevi acima é óbvio do óbvio do óbvio, não duvido que seja. Porém, eu não vou abrir mão de expor uma das poucas coisas que me restam para poder sobreviver e entender as coisas ao redor. Escrever é pensar alto e dividir. O momento de vida muitas vezes se traduz em coisas absurdas, aqui e agora tudo parece se reduzir a um caixa de autoatendimento sem vida, sem palavra e sem interlocutor, que corta filas cortando pessoas.

Quando as palavras faltam pela ausência, é preciso recorrer às memórias, às imagens para que possamos seguir.

Estive com o Chico De Paula uma vez apenas em 2015, provavelmente, numa atividade sobre bibliotecas públicas e comunitárias na UNIRIO. Chico me entrevistou após a palestra que fiz. Trocamos ideias rápidas, já o conhecia virtualmente e o admirava pela tenacidade e o trabalho fundamental que fazia na Biblio.

Chico era um bibliotecário espacial, um comunicador arguto e um agente do direito de formação humanista e socialista. Chico era sobretudo um comunista, profundamente sensível e enraizado nas suas origens da classe trabalhadora.

Desde o primeiro contato, o Chico se tornou um amigo. A distância ele no Rio, as vezes no Maranhão, eu aqui em São Paulo, as vezes em São Bernardo. Trocamos muitas ideias, mazelas da vida, as buscas constantes que incomodam as mentes inquietas e os desafios militantes e profissionais.

Lives, debates, lançamentos de livros, entrevistas, colaborações, mas principalmente o compartilhamento de ações, ideias e ideais.

Em 2020, o Chico me ofereceu um projeto para lançar em livro o texto da minha dissertação de mestrado. Ele não se conformava de eu não fazer circular o produto da minha experiência coletiva na construção do Plano Municipal do Livro, Leitura e Literatura de São Paulo.

  • Ricardo, esse texto precisa circular.

O sotaque maranhense carioca dava o relevo da intensidade de tudo que o Chico fazia. E ele fez muito. No meu caso particular, editou meu livro, cumpriu todos os compromissos firmados, foi justo, foi companheiro, foi a essência daquilo tudo que ele acreditava nas leituras, nos sonhos e nos ideais de vida, foi um verdadeiro amigo.

O livro saiu, ficou disponível nas plataformas. Em dezembro de 2021, quando estávamos nos preparativos para lançar o livro, o Chico me disse que estava doente. Daí, foi rápido, diagnóstico, tratamento, esperança, os contatos rareando, três meses e pouco…

O Chico De Paula, meu querido amigo nos deixou hoje, poeticamente no dia dos bibliotecários, profissão que ele honrou e pela qual lutou muito.

Um adeus precipitado, injusto, pródigo, triste como as coisas tristes intensas são. Eu me solidarizo com sua companheira, com sua filhinha, com todas as pessoas que amam o Chico, como amigo e parceiro.

É um dia terrível, como os dias de grandes ausências o são.

Adeus Chico de Paula.

Boa viagem, camarada!!!