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Arquivo mensal: janeiro 2011

A decisão de ser bibliotecário chegou um tanto devagar na minha vida. Foi a terceira faculdade após duas desistências. O objetivo inicial de trabalhar com documentos da área musical mudou no meio do curso. Resolvi trabalhar em biblioteca pública e perseguir a equação: democracia da informação + formação de leitores = desenvolvimento e autonomia dos indivíduos. Sem muitas ilusões e sabendo dos espinhos a enfrentar. Não existe conversa de missão ou renuncia a realidade, é um objetivo a perseguir. Vou seguindo…

Nesta semana duas notícias aparentemente contraditórias rondavam a rede: a reinauguração da Biblioteca Mario de Andrade e o possível fechamento de 400 bibliotecas públicas na Inglaterra. Quer dizer que o país que não valoriza a leitura reabre uma importante biblioteca e o país que constituiu um padrão de biblioteca pública gerida pelas comunidades vai fechá-las. Não é contraditório?

Biblioteca Pública segundo o Manifesto da Unesco é: … o centro local de informação, tornando prontamente acessíveis aos seus utilizadores o conhecimento e a informação de todos os gêneros. Simples e direto, mas a clareza do documento da instituição internacional na na maioria das vezes não absorvida e acompanhada pelo senso comum. A biblioteca pública como instituição fica numa área cinzenta e os seus usos e funções não são muito claros. Para a maioria das pessoas algumas “falsas ou meia verdades” são definitivas quando se fala em biblioteca pública:

  1.  serve para fazer trabalho escolar, logo, com o surgimento da internet ela esta perdendo o sentido de existência: nos últimos anos cada vez menos se procura biblioteca para fazer trabalho escolar e não por só conta da internet, a dinâmica de sala de aula mudou, faz-se mais trabalhos em classe e em grupo, a ida à biblioteca por conta disso esta rareando. O perfil do público que frequenta as bibliotecas publicas vive um momento de indefinição, existe hoje um público residual de uma velha realidade e em que pese sua quantidade, tem que ser considerado.  a biblioteca procura por um novo público, mas não pode fazer isso como uma nau sem rumo, Aumento de público e mudança de perfil da biblioteca não brotam do mundo vegetal, dependem diretamente de políticas e ações concatenadas para atingi-los;
  2. é desatualizada e não tem o livro que procuro: mesmo que o indivíduo nunca sequer tenha procurado um livro em alguma BP ele afirma sem vacilar o enunciado acima. Sem pressão de público e sem articulação de critérios de formação de acervo este sempre estará desatualizado, e o mais grave: ninguém vai ficar sabendo disso. A pergunta básica é: quando você procurou e não encontrou, fez um pedido formal ou encaminhou uma reclamação aos setores responsáveis? Ou você nunca procurou e/ou reclamou?
  3. biblioteca tem que se transformar em um centro cultural: oferecer as atrações para que o indivíduo se interesse em frequenta-la e daí conhecer e usar seu acervo, isto tudo como mera relação causal pode até funcionar com duas ou três pessoas, mas uma rápida observação comprova: logo após cada apresentação musical, de teatro ou de outras expressões artísticas realizadas na biblioteca pública a maioria das pessoas sai dela sem ao menos olhar para o acervo e conhecer seus “outros” serviços. A biblioteca pública tem que parar de se esconder atrás de subterfúgios e assumir o livro, a leitura e a informação como seu principal atrativo;
  4. as “novas tecnologias” tornaram a biblioteca automaticamente obsoleta, a geração ipad rejeita livros, logo acervo de suportes tradicionais não têm mais sentido de existência: a mesma lógica “extinguiu” os rádios com aparecimento da televisão e “eliminou” o teatro com o surgimento do cinema. Quanto mais a informação se multiplica e se consubstancia em vários formatos e conteúdos maior a necessidade de uma mediação e organização da pesquisa. Mediar não é intervir e/ou escolher pelo indivíduo, mas propiciar que este acesse as várias opções que existem num acervo. É bom deixar claro que a tecnologia é suporte essencial nesse processo, não fator excludente. A mediação deve ser feita por um profissional preparado para tal, o google, para ficar num exemplo corrente, é estruturado e planejado por pessoas;
  5. leitura e leitores se estruturam e se estimulam na escola: a biblioteca pública deve servir de suporte para que a educada população procure espontaneamente aquilo que deseja: escola é um dos loci da formação do público leitor, existem outros, e entre eles, a biblioteca pública seria um de excelência, que exerce (ria) muito bem esse papel, basta que as duas instituições comecem e sedimentem um dialogo que supere as turrices seculares e que haja esforço conjunto em compreender que a mesma pessoa que passa pela biblioteca escolar deve/pode passar pela biblioteca pública e vice-versa;
  6. a velha máxima “um grande pais se faz com livros e leitores“: acrescento algo nessa feijoada: um grande país se faz com políticas públicas para livros e, principalmente, para formar leitores. Essencial: integrar políticas educacionais às políticas culturais. Parece simples, mas estas duas áreas são a verdadeira Torre de Babel desta história, a total falta de sintonia entre ambas cria desperdício de recursos, projetos frustrados e mão de obra especializada pouco atuante e sem nenhuma sinergia;
  7. o estímulo à produção do livro democratiza a leitura: como relação meramente causal é pura falácia, política para o livro é uma coisa, política para leitores é outra. O livro é um produto, tem custo de mercado, movimenta uma cadeia de interesses comerciais onde o Estado exerce o papel de maior consumidor. Não estou afirmando que elas não estão diretamente relacionadas, seria loucura. A leitura precisa do livro, mas as pessoas precisam de livros e ferramentas que propiciem a apropriação da informação e conhecimento nele contido. Se formos teimosos e insistentes descobriremos vários acervos escondidos e sucateados em escolas, universidades, ONGs, bibliotecas, etc. Acervo tem que ser trabalhado e acessado, senão acaba virando apenas uma verba que foi mal gasta, isso não é apenas descuido, é crime. O livro é o meio, o leitor o fim;
  8. os prédios e mobiliários que têm que ser atrativos e confortáveis, do contrário a biblioteca não será frequentada: é ululante que ninguém gosta de frequentar espaços sujos, desorganizados, sucateados, mas colocar um padrão “tok estok”nas bibliotecas não resolverá como um passe de mágica seus problemas de público e freqüência. Luminosidade natural, moveis ergonômicos e bem escolhidos precisam vir acompanhados de investimento em pessoas para atendimento, mediação qualificada e políticas públicas que servirão mais do que lustra moveis para a beleza implantada;
  9. a meta é que se abra um biblioteca ao menos em cada cidade do país: maravilhosa premissa desde que venha acompanhada de uma série de ações e construção de políticas (os ingredientes estão parcialmente citados acima) para que elas se mantenham abertas e tenham relevância nas cidades. Isso tudo acontece logo após a inauguração, inaugurar é ótimo, mantê-las abertas e ativas, o desafio.

Ao longo dos meus quase vinte anos de profissão já ouvi e vivenciei muita história sobre a biblioteca pública. Poderia lotar este texto de fórmulas e máximas, não carece, não é um texto cientifico. Nesse ínterim a instituição foi várias vezes morta, enterrada e ressuscitada. O fechamento (ainda não efetivado) das bibliotecas inglesas e a reabertura da paulistana Mário de Andrade é um indicador claro desse vai e vem sem fim. Certo dia um velho camarada, desses que tem uma biblioteca particular em casa, me perguntou por que eu insistia em perder tempo e energia ao lutar por biblioteca pública, vacilei alguns instantes e respondi:

– Pura teimosia!

Peço a todos que questionem e se questionem sobre o que escrevi acima, é a visão de alguém dentro da briga toda, com vícios e pretensões característicos. Talvez seja um pedido emocionado ou apenas mais combustível para minha teimosia. Tomara que seja mais que isso.

Alargar as ruas…
E as instituições?
Não pode! Não pode!
Maiores menores
Mas não há quem diga
Maiores menores quem são estes homens
que cantam do chão?

São Paulo faz 457 anos, São Paulo cresce e envelhece, a cidade que rejeita e adere às pessoas, muitas vezes compulsoriamente. Este aniversário vem com um importante acontecimento que tantas vezes desaconteceu: a Biblioteca Mário de Andrade reabre completa para o público, digo completa porque desde julho esta funcionando a sua parte circulante.

A história da Mário de Andrade começa em 1925, na Rua 7 de Abril, centro de sampa.  Simbolizando uma mudança de abordagem no uso da cidade de São Paulo, em 1926 ela é aberta ao público como Bibliotheca Municipal de São Paulo”. O acesso direto é a grande e relevante novidade, até então os grandes acervos eram restritos, por trás dessa história seu futuro patrono: Mário de Andrade.

Além de ser o primeiro diretor da Bibliotheca Municipal de São Paulo, o escritor Mário de Andrade foi o primeiro intelectual e homem público a pensar a promoção da leitura como fator de desenvolvimento e necessidade estratégica do crescimento da cidade. Mário de Andrade fez o óbvio, que não era tão óbvio à época, abriu as portas e circulou o acervo. Em 1930 para complementar sua lógica e dar mais importância e destino aos acervos públicos, Mário cria a Biblioteca Circulante ,de fato circulante, pois era uma caminhonete desenvolvida e doada pela Ford que se fez biblioteca e circulava as praças e jardins da cidade levando os livros. Gestos simples que até hoje não foram totalmente absorvidos pelos gênios das politicas culturais.

A nova sede da futura Biblioteca Mário de Andrade foi inaugurada em 1942 na Rua da Consolação, com projeto  art déco do arquiteto francês Jacques Pilon e sob a direção de Rubens Borba de Moraes, outro intelectual importante e atuante nas ações de leitura. O acervo foi crescendo, é a segunda biblioteca em importância e em número de títulos e volumes no Brasil, só superada pela Biblioteca Nacional (com sede no Rio de Janeiro) e os serviços de preservação e circulação foram sendo diversificados. Em 1960 ela finalmente recebe o nome de Biblioteca Municipal Mário de Andrade. Mário não defendeu apenas um prédio com acervo, mas lutou por ações que formassem leitores na cidade, mereceu a homenagem pelo que fez e pelo que representou.

Desde 2007 a fachada da BMMA estava encoberta por tapumes e poeira, uma obra que parecia não ter fim. Findou. A cidade de São Paulo contraditóriamente cada vez mais infensa aos espaços públicos e comuns devolve em festa ao seu povo a biblioteca pública, mãe de todas as outras do Estado. Que os mais de treze milhões investidos em sua reforma influenciem os diversos dirigentes da área de leitura a fazer valer um Sistema Estadual de Bibliotecas Públicas (que até agora é uma peça de ficção) e, também, um Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas e Comunitárias, ou qualquer nome que queira se dar, desde que otimize minimamente o mar de distorções e pontas soltas que imperam na área.

É bom lembrar: bibliotecas públicas não são livrarias, as alusões feitas as nossas ricas “livrarias mega”  em detrimento da precariedade de nossas bibliotecas, empobrecem e reduzem a discussão. Biblioteca é pública, gratuita (em termos) e universal e se dinamiza com políticas públicas específicas, livraria tem propósitos comerciais (parece óbvio, mas tem gente que compara e confunde). Que seja bela a Biblioteca Mario de Andrade, com mobiliário adequado e acervo constantemente renovado (confio no taco dos colegas bibliotecários), mas que seja impura ao admitir o diverso e as contradições que só uma biblioteca com público e para o público traz. Que seja como Mário de Andrade lutou para ser, que seja.

Ele tem pinta de carioca, cabelos e barba grisalhos, o jeito de falar carregado, mas nasceu no interior de São Paulo, Marília, e em 1962 batia sua bola no XV de Jaú (clube que revelou muita gente boa). Afonso Celso Garcia Reis, o Afonsinho, começou a se destacar quando foi para o Botafogo carioca em 1965. Afonsinho foi grande excessão dentro de um esporte em que de uma maneira geral a alienação e o maniqueísmo sempre prevaleceram.

Estou em casa assistindo o Cartão Verde na Rede Cultura graças a uma twittada do Xico Sá. Perfilados, Afonsinho que é o convidado e o Sócrates. Dois doutores da medicina e da bola, personagens ímpares do futebol. Momento histórico.

Afonsinho conta serenamente a parte mais aguda de sua história: solitário, se rebelou contra a escravidão imposta aos jogadores que não tinham controle sobre o seu trabalho e sua carreira, o atleta carbonário deu o ponta pé inicial e rumo certo à futura lei do passe. E o fez sozinho, em plena ditadura, sem o menor apoio de sua classe. Além do mais, era um jogador vitorioso no campo.

Apesar de ter conquistado três títulos pelo Botafogo,  em 1971, seria questionado pelos reaças do clube por usar barba e cabelos compridos. Na verdade o foco não era a estética, mas postura engajada e libertária do boleiro. Afonsinho incomodava e foi para a briga, ficou um ano lutando pela liberação do seu passe e conseguiu. O TJD deu passe livre ao atleta. Vitória. Foi jogar no Olaria e seguiu se destacando. Jogou futebol até 1982, se formou em medicina e continuou militando politicamente em várias frentes. Escreveu sua história com jogadas geniais, idéias e ações.

Sigo aqui vendo o Cartão Verde e percebo um Afonsinho nada amargo, entusiasmado por várias causas, longe daquela fala travada de jogadores e ex-jogadores, que, algumas vezes por uma formação falha e falta de politização e outras  por puro comodismo e postura conservadora, se isentam de dar qualquer tipo de opinião minimamente polêmica. Afonsinho tá na vida, agindo e assumindo posições. Que bacana ver isso.

Música boa foi feita para o craque, justamente nesse instante, Afonsinho  fala no Cartão Verde sobre a canção que Gilberto Gil fez para ele . Numa ocasiãob foi à casa de Gil na Bahia junto com o então jogador do Flamengo, Paulo Cesar Carpegianni, supostamente para conhecer a referida música. Gil  não mostrou nada. Ele só chegou a ouvir a música tempos depois na casa de Caetano Veloso.

A música e Afonsinho articulando boas jogadas pela vida.

Foi num canto do ano de 2004 e eu tava procurando um disco do Fela Kuti na web …  top top programa de busca, informações cruzadas e uma das primeiras referências: Radiola Urbana. Fui ao site, surpresa!! Um salto em vários tempos e batidas: afrobeat, jazz das alturas, soul responsa, rap alternativo  música brasileira sem lenga lenga, rock menos óbvio.

A procura saiu lucrativa, e segui acompanhando o site. Textos bons, podcasts, mixtapes, dicas de shows, entrevistas foram pintando, sempre alto nível e boas descobertas. Com o passar dos anos o Radiola foi juntando um belo patrimônio.

Outro dia entrei e tá lá mensagem: “O Radiola Urbana foi hackeado. Aproveitamos a ocasião para reestruturar o site. Voltamos em breve!” Pensei comigo: “Como que alguém hackea um site desse com tanto lixo para derrubar?? …”

Quem vai contar mais sobre o Radiola é seu mentor Ramiro Zwtesch, jornalista, fã de música e um bom papo. O Radiola volta, acaba, modifica? Marquei essa entrevista pelo Facebook e a fizemos por email, espero que vocês gostem:

1- O Radiola Urbana é um ponto de convergência de varias vertentes musicas bacanas, conta pra gente como começou o Radiola.

Então: o comecinho mesmo tem a ver com uma certa frustação e falta de perspectiva no Jornal da Tarde, em 2004. Eu trabalhava lá desde 2001 e tinha que me esforçar muito para escrever sobre música que eu gostasse. Havia pouco ou nenhum espaço para reggae, afrobeat, rap, samba-jazz etc. Desenvolvi o site com um velho amigo, Bruno Reis, um dos sócios da Dialeto, uma empresa de desenvolvimento de programação e design de sites, entre outras coisas. Começou de um projeto pessoal e logo de cara, antes mesmo de entrar no ar, agregou um monte de amigos que curtiram a ideia. Havia duas ideias básicas: oferecer um conteúdo sobre música que é revelante e não tem / tinha atenção da mídia; e fugir à regra de “conteúdo objetivo e fácil leitura da internet”, com textos grandes, abordagens originais.


2- A internet abriu uma brecha na divulgação da música “fora do mercado” ou você acha que ainda há muito idealismo nisso?

Acho que abriu, sem dúvida. Mas há idealismo aí, pois são raros casos de gente que ganha dinheiro com blogs e sites. Pessoas comuns oferecem ótimo conteúdo simplesmente porque querem e gostam, chamam atenção, atraem leitores, podem até ganhar alguma credibilidade profissional. Mas ainda precisam de seus empregos convencionais, inclusive para manter esse prazer. Normal.


3 – Uma das coisas mais bacanas do Radiola são os podcasts, é um jeito de reverenciar os programas de rádio? Fale sobre isso.

Isso veio logo no começo, junto com o projeto. A FM é uma piada, tudo igual, com muita preguiça e pouca ousadia. Então mais que uma homenagem, é um protesto contra a mesmice da rádio convencional. Há música de todos os gêneros em todos os países, coisas desconhecidas para serem descobertas, clássicos esquecidos e a FM continua com preguiça de ir além do Dire Straits e do Lulu Santos. Claro, eles merecem espeço. Mas a questão é que todos merecem: a música latina, o rap, o jazz, o afrobeat etc. Então criamos nossa própria rádio para tocar artistas indiscutivelmente relevantes como Fela Kuti, Jackie Mittoo, Cal Tjader, Pharoah Sanders e Moacir Santos — nomes que o ouvinte assíduo da FM pode passar a vida toda sem conhecer.


4 – Cinco discos que devemos salvar no apocalipse.

Já que são só cinco, vou salvar os duplos (sem ordem de preferência):

Songs in the Key of Life, Stevie Wonder: ainda preciso ouvir mais e me aprofundar nas sutilezas. Mas é um tratado do groove e da sofisticação de um dos melhores compositores de nosso tempo, um passo à frente do fênomeno pop e social gerado pela gravadora Motown anos antes. Lindas canções, arranjos sublimes.

Gil & Jorge, Gilberto Gil e Jorge Ben: o encontro de dois dos violões mais autênticos da MPB, num desafio constante de soluções ritmicas, improvisos, desconstruções de clássicos de ambos e psicodelias vocais. Aulinha.

Exile on Mais Street, Rolling Stones: se for para elencar apenas uma vantagem dos Stones sobre os imbatíveis Beatles (fora a longevidade), é a proeza de ter conseguido um álbum duplo bom do começo ao fim — coisa que o Álbum Branco não é com as inacreditáveis “Pigs”, “Revolution 9”,  “Bungalow Bill” etc. O auge de Keith Richards e Mick Taylor, riffs pra história e um mergulho mais fundo na influência do blues e do country. Foda!

Babylon By Bus, Bob Marley & The Wailers: ao vivo, o carisma do homem cresce para compensar as imperfeições inevitáveis do palco em comparação com as versões de estúdio. Banda afiadíssima e um repertório perfeito: “Positive Vibration”, “Kinky Reggae”, “Concrete Jungle”, “Rat Race”…

London Calling”, The Clash: tudo que o rock dos anos oitenta poderia ser e não foi.

Todos artistas que até tocam na FM, hehehee. Sem rap, sem Fela, sem Beatles, sem Coltrane, entre tantas outras ausências intoleráveis.


5 – Alguma dica de músicas, discos, artistas que estão pintando, música nova no sangue?

Acho que a banda Bixiga 70 merece atenção. Assisti três shows entre outubro e janeiro e a evolução é clara e empolgante. Reúne ótimos músicos de São Paulo que estudaram a linguagem do afrobeat, acrescentaram molho afro-brasileiro e fazem versões de peso, além de temas originais contundentes e promissores. Nas duas próximas quintas de janeiro eles tocam no Cabul (R. Pedro Taques, SP) e tenho o prazer de fazer a afro-discotecagem, antes e depois dos shows. Sou fã do Kiko Dinucci e fico de olho em tudo que ele faz, embora ele já não seja exatamente uma cara nova. Do Emicida já foi dito tudo, é um rapper que surgiu pra fazer a diferença realmente. A Nação Zumbi ainda é a melhor banda do Brasil. Gosto do trabalho atual de veteranos como Mulatu Astatke e o disco “Brothers”, da banda Black Keys, foi o que mais ouvi no ano passado. Fiz também uma saudável imersão na “Caixa Preta”, de Itamar Assumpção. A filha dele, Anelis, prepara o primeiro disco e boto muita fé. E acho que o novo disco da Orchestre Poly-Rhitmo de Cotonou (combo-lenda de Benin) é candidato a melhores de 2011. Também aguardo ansiosamente os novos de PJ Harvey e Beastie Boys, duas obsessões pessoais. Também recomendo as apresentações de Letieres Leite e a Orquestra Rumpilezz, surpresa vinda de Salvador.


6 – Qual o futuro do Radiola?

É o que está em discussão, reflexão. Talvez a solução seja voltar como blog, com um formato mais simples. Vamos ver. Temos dois focos de resistência: as discotecagens esporádicas e um quadro diário no programa “Cultura Livre”, na Cultura AM. Há também um sentimento de missão cumprida, acho que vários blogs legais são minimamente consequência da RU.


7 – Fale o quiser …

Quero fazer um programa semanal na FM, alguém me descola um?



Um nome o quanto mais rápido ele for assimilado, entendido, melhor ele cumpre o papel. Lembro da época de escola e dos amigos que tinham nomes complicados. Especificamente de um: Clístenes. Nínguem entendia o nome do menino, ele orgulhoso dizia ser um nome grego, mas sua origem nordestina aguçava a galhofa preconceituosa da molecada. Anos depois fui checar e vi que o nome do meu amigo foi o de um político,  um legislador grego: Clístenes de Atenas. O Clístenes da minha escola sumiu na vida.

Mas os nomes complicados me perseguem. Toda essa introdução serviu para chegar no nome do meu blog, na verdade a corruptela que uso para identificar o espaço onde escrevo minhas implicâncias: Klaxonsbc. Nínguem entende de pronto e mesmo depois de explicado, fica aquele ar de  “Ahhhh, tá…”  desvencilhador nas pessoas.

Quando comecei a me interessar por literatura de forma mais pretensiosa na adolescência, Oswald de Andrade ao lado de Lima Barreto eram meus maiores heróis. O terrível modernista, que brincava com as formas, o falastrão, o pouco rigoroso, o homem das frases cortantes. Sempre me pareceu fascinante imaginar Oswald animando uma São Paulo que explodia em desejo de mudanças meiado com empáfia, ansiedade de crescer e incompreensão. O homem sem profissão.

A revista Klaxon (Mensário de Arte Moderna) foi a porta voz do modernistas que circulou entre 1922 e 1923. Curta duração, seus colaboradores compõe uma fina radiografia do movimento modernista: Manuel Bandeira, Oswald de Andrade, Mario de Andrade, Menotti Del Picchia, Di Cavalcanti, Sergio Milliet, Anita Malfatti….

É uma buzina literária, fonfonando, nas avenidas ruidosas da Arte Nova, o advento da falange galharda dos vanguardistas”.

Menotti del Picchia

Na época de faculdade na Escola de Sociologia e Política tinha na biblioteca um fac-simile, se eu nao me engano editado pelo Mário da Silva Brito, de uma das edições da Revista Klaxon (foram nove ao todo). Ficava ali lendo aqueles poemas e textos panfletários que ajudaram a desenhar a alma de São Paulo, nas contradições, nas assimilações, nas pretensões, na arte. Um dia o livro sumiu do acervo,  reitero: Não fui eu, não fui eu!! Clique no link  usufrua na Brasiliana de uma desmonstração da revista.

Desde quando comecei a  navegar na internet , ja faz um tempo, resolvi adotar klaxon como nick, era uma forma de resolver o pretenso status incógnito que demandava a entrada em chats e foruns de discussão. Logo que resolvi montar um blog não fazia sentido chamá-lo simplesmente de KLAXON, seria uma cópia besta da revista dos modernistas. Mas queria manter a chamada, a buzina, o anúncio. Por que não acrescentar ao nome a sigla da minha cidade? E então preciso gastar umas linhas para falar dela…

São Bernardo do Campo, a terra do tempo nublado na beira da serra. A terra das montadoras de automóveis, a terra dos sindicatos, a cidade do Lula. A cidade que fica ao lado de São Paulo e que mantém uma estratégica (!?!) distância com os costumes da metrópole. A cidade de história macro progressista e na micro história tão conservadora quanto outros tantos cantos paulistas. Mas é a minha cidade, aqui nasci, aqui vivo, aqui trabalho, amo e odeio. Convivo a cidade, acordo acreditando e durmo querendo embora. Cá estou. SBC.

Daí unidos: Klaxon + SBC – a buzina da cidade que se anuncia cada vez mais misturadas a tantas outras buzinas e ruídos. Claro que tem ironia (para não trair o espírito de Oswald), claro que tem vários desejos recônditos, claro que tem contradição. O sempre presente desejo e pretensão de que o seu núcleo se torne o núcleo principal. O clamor dos modernistas que nunca deixaram de ser  provincianos na pretensão de soarem cosmopolistas. A cidade que vivo no meio dessa panacéia.

Um pouco da história desse blog de nome esquisito.

Andonis Michaelides nasceu no Chipre em 1958, anos depois já em Londres, se apresentaria como Mick Karn e integraria uma importante e influente banda chamada Japan (com David Sylvian, Richard Barbieri e Steve Jansen) influênciados por Roxy Music, New York Dolls, Bowie, enquadrados como banda new romantic pelo senso comum da época.

Mick colaborou durante seu período no Japan, e em especial, após a dispersão do grupo, com uma gama variada de músicos: Gary Numan, Peter Murphy (com quem montou o Dali’s Car), Ryuichi Sakamoto, Bill Nelson, Kate Bush, Midge Ure, David Torn, Porcupine Tree …

Cravou nestes registros seu baixo (quase sempre fretless) com ecos de jazz, soul e pinceladas de várias partes do mundo. O parceiro e amigo, David Torn, um dia afirmou que Mick seria um “Bootsy Collins vagando pelo Marrocos”. Com Torn e Terry Bozzio, ele gravou em 1994 o excelente Polytown, que vale a busca.

Uma curiosidade para nós brasileiros: em seu primeiro álbum solo, Titles (1982), ele fez uma cover um tanto inusitada de  A Distância (Roberto Carlos) que virou Sensitive. Pelo pude apurar seria uma música que Mick gostava na infância, mas o que importa? O cidadão era um grande músico, com senso apurado e a música tem uma melodia bonita, esta é a verdadeira ligação.

Mick Karn, faleceu ontem (04/01/2012) aos 52 anos, vinha lutando contra um câncer desde final de 2009. Foram mais de dez discos solo, além das colaborações citadas (fora as esquecidas). Um legado invejável e pronto para ser (re)descoberto.

“Eu nasci um homem forte/ Mas a pólio me aleijou / Olhe para mim hoje, eu estou ferrado no meu triciclo / eu me tornei o homem com os bastões / Para o inferno com as muletas.”

Ricky Lickabu e Coco Ngambali tocam nas ruas de Kinshasa, capital da República do Congo. Os dois sofreram de pólio na infância e hoje se locomovem usando triciclos inusitados. Eles são músicos de rua, e na sua música carregam influência da rumba congolesa, do R&B, do reggae, do soul. Os dois estão no núcleo do Staff Benda Bilili, mas quem são eles?

Em primeiro lugar os dois não conseguiam se encaixar nos combos musicais e nas bandas de música congolesa. O motivo? Não terem coordenação e não conseguirem dançar, logo não teriam sucesso nas performances da sacudida música africana, essa era a premissa e o raciocínio vigente.  Qual a solução?  Montar a própria banda, e daí nasceu a  Staff Benda Bilili.

Para completar o “Staff” juntaram-se a Ricky e Coco, outros músicos portadores de pólio e os sheges – crianças moradores de rua, muitos desses foram soldados das milícias formadas na guerra civil congolesa e hoje são “veteranos de guerra mirins” abandonados à própria sorte – com essa formação eles ensaiaram quase que diariamente no Zoológico de Kinshasa, por mais estranho que possa parecer, o local foi escolhido pelo sossego e pelo isolamento. Esta aliança entre os meninos e os senhores dos triciclos soa lírica e triste.

Roger Landau, menino que encontrou o grupo aos 13 anos (agora esta com 19) é um dos componentes com história mais peculiar, ele vem dos subúrbios de Kinshasa, toca um instrumento que ele próprio inventou e batizou de satonge. Trata-se de uma corda afixada numa lata, engenhosamente construída para marcar nossos ouvidos na primeira audição. Roger sola com a paixão de um Hendrix e já mostra no palco um olhar distante e catártico de alguém que calcula o próprio valor. O Staff é assim cheio de surpresas e parece se apresentar como algo que tinha tudo para não dar certo e o”dar certo” no contexto em que eles vivem é algo muito complexo e difícil de avaliar.

Difícil, também, é ouvi-los e tentar descolar o rótulo de “africanos com necessidades especiais”, logo, fora da indústria cultural (apesar de que isso pode ser até um belo rótulo para a própria) que fazem música exótica. Mais difícil ainda é esperar que os caras não encarem o público europeu e do resto do mundo como branquelos de rabos balançantes e cheio de dólares e euros, que vêm compensar toda as atrocidades que os colonizadores cometeram com sua cultura e sua nação. É algo que temos que encarar, e no caso, a música vigorosa e de qualidade prevalece, mas não esconde os conflitos de classe e econômico.

A música, claro, não é única forma de sobrevivência dos SBB, eles se viram com o comércio de rua, com os “quebra-galhos” possíveis e daí as inevitáveis relações com “atos ilícitos”.  Todas as atividades características das margens do capitalismo temperam o dia a dia dos rapazes de Kinshasa. Muitos deles, os sheges principalmente, vivem nas ruas e dormem em cima de papelões, outros como Ricky habitam “moradias alternativas” sem saneamento básico, sem o mínimo de condições, herança solerte da colonização belga, pura abjeção.

Desde 2005 os cineastas franceses Florent de la Tullaye e Renaud Barret filmaram o documentário “Jupiter’s Dance” (tive oportunidade de assistí-lo no último final de semana em cópia DVD) que foi bem recebido no Festival de Cannes de 2010. Eles contam a história do SBB. e de certa forma intervém na sorte dos camaradas, inclusive a apresentação de Roger aos outros componentes se dá na gravação do documentário. O registro visual e sonoro soa como algo que estava lá pronto para comover e ser filmado.

Outra figura importante da história é o produtor musical belga Vincent Kennis, ele esteve à frente de tentativas de gravar um registro da banda desde 2006, e finalmente produziu o álbum Très Très Fort pelo selo Crammed em 2009, e essa gravação épica de três anos resultou no prêmio Womex (Word Music Expo) daquele mesmo ano.

O SBB esta em turnê pela Europa e nas ruas de Kinshasa permanecem a penúria e as conseqüências da guerra civil e da colonização criminosa. Nada mudou. Na vida dos componentes uma compensação parcial ainda esta por vir através de grana e de alguma notoriedade. A arte vence a miséria? A poesia supera os escárnios? Na verdade estas frases são pura retórica para adoçar nossas consciências cheias de culpa.

Para quem ainda acha que “música de protesto” se faz com palavras de ordem, fica a experiência desses rapazes que tinham tudo para afundar na morte e no ostracismo e cantam forte e alto para serem ouvidos muito mais do que panfletos dançantes.  Eles sabem que não estão fazendo revolução, e não esperam e nem podem obter “distanciamento crítico” para avaliar a própria condição, e sabem também, que a sua música é o fio tênue que ainda os mantêm vivos.