arquivo

Arquivo mensal: agosto 2019

Prefiro sempre o papo informal, a fala das ruas para tentar entender os fenômenos sociais.

No que se refere à economia, à parte os fundamentos macroeconômicos, o que nos orienta é a gente do dia a dia, o pequeno comerciante, aquele com quem você pode deixar o troco de cinco como crédito ou a pendura de vinte pra pagar na sexta feira.

Essa gente tá desesperada.

O Alemão da Banca, o Theo do Armazém, o Pernambuco da Rio Branco, todos eles que vivem do dinheiro miúdo, das pequenas compras do povo trabalhador, estão assustados.

Se o dinheiro não entra, tem menos mercadoria, os poucos que vêem compram o que tem, se não acham é possível que não voltem amanhã e as portas fecham.

Essa gente muitas vezes não sabe onde fica a Argentina, mas vivem na pele suas diárias necessidades de moratória.

Esses trabalhadores da luta diária pouco sabem sobre as diatribes farsescas do infomoney e da Miriam Leitão, que afirmam que Macri falhou por ser pouco neoliberal.

A cartilha neoliberal pega essa gente primeiro e eles sabem, apesar de não chama-la pelo nome, que não pode dar certo.

Não precisamos esperar o efeito Orloff, a nossa Argentina já está nas ruas.

Em 1973 eu escolhi a Associação Portuguesa de Desportos pra torcer. Naquele tempo tinha Badeco, Enéas, Dicá, Wilsinho. Era um timão, eu era um menino sonhador e marrento.

A Lusa me deu pequenas alegrias e um punhado de desgostos que me ensinaram a valorizar as primeiras. Foi uma escolha.

Hoje a Lusa, que hoje está quase extinta, resultado de uma série de absurdos das bizarras direções que ali passaram, completou 99 anos. Quase centenária. Ironicamente, eu amanheci com uma inflamação no joelho e tô andando com dificuldade, logo logo, é médico e essas chatices.

No fundo, acho que é um jeito de comemorar da forma que a vida deixa, o aniversário do meu time barroco. De novo assim, exaltando as alegrias miúdas e sabendo que somos o fruto das nossas decisões e escolhas. Às vezes dói, às vezes floresce e há sempre a possibilidade de renascer.

Vai Lusa, vai ser gauche na vida.

PT: a foto é do ano passado, quando eu achei na casa da minha mãe, esse gorro que é da campanha de 1996, momento em que a Lusa foi vice campeã do Brasileirão.

– Logo no domingo tem que vir esse frio lascado??

– Ainda bem que o Minhocão tá livre hoje e dá pra atravessar rápido.

É dia de frio e nesses o povo fica mais junto, coloca toda a roupa que pode e toda roupa que têm.

As noites são mais longas. É mais difícil dormir, o vento assovia fininho e dói no corpo. O povo de rua.

O grupo anda firme e rápido em direção ao Largo Padre Péricles. Duas carroças, três cachorros e aquele povo junto pra esquentar e esquecer.

São 10 horas nesse domingo frio, muito frio, na cidade de São Paulo. Cidade que é de muito poucos, mas onde muitos insistem em sobreviver.

Eu narro tudo isso na proteção do além vidro, do sexto andar.

Dá um pouco de alento de ver aquelas pessoas tão juntas, dá muita tristeza em saber que elas estão tão separadas dessa cidade injusta.

O intervalo do trem deu espaço para poucas palavras. Nos braços um saco esbranquiçado, cheio de cheetos genéricos.

– Você volta hoje?

A moça perguntou ao rapaz que naquele instante apenas contava o tempo do intervalo do trem.

Ela não esperava resposta e ele ficou calado.

A noite fria na Estação Princesa Leopoldina dava vazão à perguntas tristes sem respostas.

– Um é dois, três é cinco, olha o salgado…olha o salgado.

A porta do trem abriu, o rapaz seguiu com a cantilena. A moça ficou sem resposta no banco da estação.

O que me sobrou foi o frio dessa noite, o cheiro de cheetos genérico e esse enredo na cabeça.