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Arquivo mensal: setembro 2021

Paulo Reglus Neves Freire, nasceu no Recife, Pernambuco, Brasil em 19 de setembro de 1921.

Raymond Williams nasceu em Llanfihangel Crucorney, vilarejo do País de Gales em 29 de agosto de 1921.

Ambos foram intelectuais que pensaram a educação e a cultura como elementos conectados, inseparáveis. Ambos pensaram a cultura ordinária, como algo das pessoas comuns, do cotidiano.

Ambos fariam 100 anos em 2021. E a conexão não é apenas na idade.

Como disse Paulo:

“A cultura como o acrescentamento que o
homem faz ao mundo que não fez. A cultura
como o resultado de seu trabalho. Do seu
esforço criador e recriador. O sentido transcendental de suas relações. A dimensão humanista da cultura. A cultura como aquisição sistemática da experiência humana. Como uma incorporação, por isso crítica e criadora, e não como uma justaposição de informes ou prescrições “doadas”.”

Como disse Raymond:

“A cultura é de todos: este o fato primordial. Toda sociedade humana tem sua própria forma, seus próprios propósitos, seus próprios significados. Toda sociedade humana expressa tudo isso nas instituições, nas artes e no conhecimento. A formação de uma sociedade é a descoberta de significados e direções comuns, e seu desenvolvimento se dá no debate ativo e no seu aperfeiçoamento, sob a pressão da experiência, do contato e das invenções, inscrevendo-se na própria terra.”

Viva, Paulo!! Viva, Raymond!!

É difícil admitir que estamos num tempo de perdas.

As “coisas vêm e vão, não em vão”, como disse Oswald de Andrade há quase um século.

De fato, há pessoas que realmente não são em vão, são justas, são precisas, são presentes, sem estar por perto por muito tempo. São finas e intensas.

Conheci o meu camarada Luiz Felipe Araujo, assim, devagarinho, ele no Rio de Janeiro, eu cá em São Paulo.

A distância encurtada pela volatil, mas necessária, rede social. De quando em quando, palavras, resumo da vida resumido em poucos caracteres. Mas a troca sempre aquecida pelo interesse, pela presença, pelo carinho e pela atenção.

Ele lá, eu cá.

Meu amigo Lufeba, que contava fluente e intenso, na oratória do bom papo carioca, histórias da ditadura, histórias da colaboração de seu pai, publicitário e homem de esquerda, que escondia perseguidos, que ajudava na logística de resistentes à ditadura, ele mesmo um grande resistente.

Que contava do exílio em Lisboa, que o pai e toda família, foram obrigados a vivenciar em meados da década de 60. O menino que saiu do Rio para a terra dos fados.

Que contava das andanças pelo Rio de Janeiro, ele um rapaz nascido no Leblon, mas que percorreu o Brasil, fazendo seu trabalho que mesclava engenharia, educação e ambientalismo. Nada como alguém que conheça o seu país, para bem entender as nossas maiores mazelas e , também, as nossas maiores delícias.

Era amigo, muito amigo, esse doce amigo, que me ouviu a beira mar em Copacabana, num momento de angústia e medo que vivi nos idos 2014 e 2015. Solicito, carinhoso, cheio de palavras firmes e solidárias ao som do mar numa tarde sem sol de mormaço. Momento inesquecível.

Era o amigo que contava orgulhoso, que no seu prédio morou o lendário Apolônio De Carvalho (tinha placa no portão de entrada), nosso herói de guerras, de militância, de luta contra o fascismo. Que orgulho ouvir o compadre contando, que ele ainda jovem ouvia as histórias de Apolônio em suas vistas junto com o pai no apartamento do velho mestre.

E era ele, o Lufeba, que também contava, com o desprendimento daqueles que amam genuinamente, que ousou mudar de time do coração, já em idade madura, era Botafogo, virou Mengo, sem o rubor de ter mudado. Tão Mengo que seu filho caçula se tornou diretor de marketing do time do Gávea.

Orgulhoso de ser amigo do amigo, que contava sobre as suas histórias de amor, sem fingir perfeição, sem esconder os arrependimentos, mas dividindo generoso as felicidades que viveu.

Foi amigo, muito amigo o amigo Luiz Felipe. Um homem doce e gentil.

E ele partiu hoje, num dia triste, nublado, levando um pouco do sol que nos habita.

O Leblon e o mundo estão mais vazios.

Boa viagem, camarada!!

Foto tirada pelo não menos querido Arnobio Rocha em 2014.