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Arquivo mensal: julho 2012

Trabalhar em bibliotecas tem suas vantagens e desvantagens, como em todo trabalho. Estar no meio de livros, perto das várias possibilidades de informações, pode ser visto como grande privilégio. Mas tendo a cachaça, também há que se ter os tombos. Falta de recursos, de uma política definida, abandono, problemas estruturais, constante busca de uma identidade, estas são algumas das dificuldades enfrentadas numa biblioteca pública.

Mas ainda existem as pessoas…

Hoje fui a trabalho num espaço que funciona há 11 anos, criado e gerido pela Divisão de Biblioteca de SBC. O Troca Livro, que fica no centro da cidade. Trata-se de uma espécie de sebo público, explico melhor: neste espaço você pode trocar seu livro, cd, LP, revista usados por algum do acervo que lhe agradar. Como não há fim lucrativo, esta troca funciona no um por um e obedece a certos critérios de relevância e estado físico do material trocado. É um serviço que tem excelente resposta do público. Produto de uma política pública.

O Troca Livro foi só mote.

No meio da tarde ouvi uma fala animada, um tanto ansiosa, de um rapaz que é frequentador do espaço. Aos poucos fui sabendo quem era. Ivan Ribeiro, 30 anos, que veio da Bahia muito pequeninho (segundo ele) para São Bernardo do Campo. Ivan contava de uma forma engraçada de como tinha sido atropelado recentemente.

Ouvi aquilo, saí da sala contígua e fui conversar com ele. Ivan se confessou um poeta distraído que anda pela cidade. O atropelamento foi numa dessas distrações e entrou na cota de sua poesia. Embalamos um papo no começo meio torto, naquela desconfiança mútua.

O rapaz conta que entrou e saiu de várias instituições psiquiátricas durante a vida. Conta pela metade, não importa, não quero detalhes, tampouco ele quer dizer. Não importa. Sua mãe tem problemas de saúde e os dois moram juntos, de algum jeito um cuida do outro. Vida dura.

Ele diz certeiro que não quer cozinhar as palavras no passado. Olhar pra frente. Ivan tem muito que fazer na vida e tem talento, bastante.

Falei desse blog, de nome Klaxonsbc, brilho diferente no olhar do poeta Ivan de pronto detectou Oswald de Andrade. E disse ter um poema que dialoga com inspirador do nome do meu blog. Ivan tem o seu próprio blog onde se expressa, onde conserva seus poemas: Na Toca do Noturno. Seguiu o dialogo…

Em digressão voltamos, ele fala da luta social, o movimento antimanicomial no qual milita, da resistência. Começo a enxergar a integridade do poeta. Não pelo engajamento em si, mas pelo projeto todo, vida. Integro, ainda não o transformaram em mercadoria, tomara que não.

Nada desse papo da arte que salvou, da cultura que salvou. A força da experiência e as agruras que deram à poesia, o seu relato, a sua força. A poesia se apropriou da historia de vida do Ivan. Por isso ela esta escrita.

E a nossa fala entrecortada, dois ansiosos, voltou ao Oswald, ao blog, comento um texto que escrevi sobre a Cracolândia. De novo a afinidade, Ivan diz que dialogou com Oswald, especificamente com o poema “Pronominais”, trocando o tema original do cigarro pelo tema contemporâneo, o crack.

O erro de português formal com seu novo relevo.

E o papo virou de velhos camaradas, e reforça o que eu disse no começo do texto: mais do que estar entre livros e informações, o que importa em trabalhar numa biblioteca pública é encontrar as pessoas e com elas trocar as idéias que afinam ou desafinam as nossas convicções, pessoas que fazem valer a pena lutar pela manutenção dos espaços públicos de convivência.

Poetas, calados, sonoros, discretos, prolixos, incômodos, incógnitos, gente que vem e que vai. Muitos dos quais frequentam anos a fio as bibliotecas e mal sabemos o nome, outros que encontramos nestas tardes perdidas e ficamos sabendo tanto deles. Estas surpresas que só podem nascer das pessoas.

Pronominais

Oswald de Andrade

Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro ”

e a versão do camarada Ivan:

Prô! No Minais?

Dê-me um careta

Diz à grama… Tica,
De professora foi
Há tempos, hoje é
Aluna da vida…
Um careta! Só um
Careta dar-lhe-ia à
Dona Tica, uma
Grama… Ah, Tica!
Pois a boa preta a
Boa branca; damas
Da Nação mal parida,
Choram do dia à noite
Sem preocuparem-se
Como é ser dama, pois
Preocupam-se é com
A grama,…Tica, diz aos
Seus alunos;…
Pô, meu! Pára com isso
Me dá um careta, aí!?
_Fêssora,… Cê tá é
Brisando!… Cê tem
Bic aí pro careta?
Deixa disso aluno,
Me manda logo o Bic;
É que eu quebrei a
Pedra! Tem outra, aí?
Se, tem! Sua nota é dez!
Ivan Ribeiro
“Com licença poética, ó meu caro
Oswald de Andrade!”

E dizer que pra começar uma pelada é necessário uma bola, ao menos uns três comparsas e este espirito cultivado há muitos anos, desnecessário.

O futebol é fácil como as coisas que sentimos sem burilar demais. É o gol, o passe, a corrida, o gesto companheiro…o xingo e o desabafo.

Basta uma tarde de belezas. A beleza pode ser chuvosa, seca, na sombra, asfalto áspero, areia fofa, terra. E claro, sempre o jogo que não se quer perder, pra depois esquecer tudo.

Horas inteiras registradas na vida, marcadas por um objetivo simples partido em dois: fazer e evitar o gol. A vida complicada nos divide em tantos, por isso o amor ao futebol.

Naquele momento você muda o nome, vai e volta no palco delimitado por dois arcos, metas simuladas. E seu nome é o do craque do momento: Enéas, Zico, Socrates, Falcão, Romário, Neymar…os todos, os múltiplos sonhos.

E a nossa fantasia se funde ao outro e mais outros. E daí vem passes trocados, caneladas, escanteios e gols da vida, o sonho coletivo marca aquelas “tardes”.

E o futebol é o lusco fusco de nossas histórias, de malabarismos inventados, gols nunca feitos e de contendas imaginárias. A nossa cancha de sonhos narrados.

Partidas longas, intermináveis. Vira cinco, acaba dez, a revanche, a nega, e o desejo enorme de que aquela vida nunca acabe, como reforço a displicência de não saber que são momentos únicos.

Ao fundo a mãe gritando seu nome no diminutivo, chamando pra casa, é o apito final do juiz. Imagem e som inesquecíveis.

E de verdade: nos bastam a bola, a trave sem rede, a rapaziada, a tarde vadia e o desejo incontido de vencer o mundo todo.

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Joelho de Porco foi uma banda que, longe de retóricas estereotipadas ou regionalismos burros, que melhor representou (a) São Paulo, no humor corrosivo, nas levadas pesadas do rock, na disfarçada melancolia, na total falta de pudor de expor o próprio ridículo e nas belezas menos fáceis. Joelho de Porco é São Paulo, São Paulo muda sempre, mas tem seus cânones. Como eles diziam numa letra São Paulo by Day.

Eles surgiram num festival do Colégio Rio Branco em 1966, de improviso. João Paulo de Almeida (voz), Fabio Gasparini (que tocou com meio mundo do rock paulistano) na guitarra, Gerson Tatini no baixo e Próspero Albanese na batera. De chiste, numa brincadeira, Fábio batizou a banda de Joelho de Porco, o nome pegou. Era só o começo.

A banda foi mudando de formação até que em 1973 com Próspero Albanese (bateria e voz), Rodolfo Ayres Braga (baixo), Tico Terpins (guitarra) , Gerson Tatini (guitarra) e Conrado Ruiz (piano) lançaram o primeiro compacto Lado A, “Fly America” e Lado b, “Se você vai de xaxado eu vou de rock’n roll”, Arnaldo Baptista produziu e deu uma canja tocando moog:

 “Se você quiser saber por que

não lhe digo você não merece ver
se você vai de xaxado, eu vou de rock and roll”

Em 1976 chegaria finalmente o primeiro álbum, São Paulo 1554-Hoje, sem dúvida as dez faixas definitivas e a melhor formação do Joelho de Porco. A bela voz e o forte sotaque paulistano de Próspero Albanese junto às letras e composições de Tico Terpins, são as inequívocas marcas da banda. Outro destaque, a levada e o riffs pesados da guitarra de Walter Bailot. Flavio Pimenta na bateria, Luiz Carlos Sá nos teclados completam. O registro clássico da banda  e um dos melhores discos de rock and roll gravados nesta nação.

O Joelho era uma verdadeira banda de rock and roll e não pedia desculpas por isso. O rock sempre foi um intruso no Brasil. Roqueiro era taxado de papagaio, imitador, diluidor e sem compromisso com o nosso cadinho cultura. O Joelho não papagaiava, eles acharam o timbre certo. Olhar e registrar o mundo ao redor e usar o rock para isso. É pouco? Para quem se reduz à forma eles foram apenas mais uma banda de rock e para esses o conteúdo sempre escapa.

Mas que olhar era esse?

Falavam da cidade, da vida, dos costumes, falavam deles mesmos com escárnio, usavam as gírias, os ícones da indústria cultural e os preconceitos e a lírica dos paulistanos. A cidade os alimentava, por isso é até hoje eles são sem rivais, a “banda paulistana”. Falavam com a “gente”. Não viraram piada datada, pois não eram apenas uma piada.

Quero descrever em timbre pessoal do São Paulo 1554-Hoje, tenho esse disco me seguindo há muito tempo, em fita cassete, vinil (vários), cd, mp3, youtube, os vários formatos do tempo, nunca deixei de ouvir, de me divertir, de me emocionar. Ao contrário do que muitos pensam, Joelho de Porco, especificamente este disco de 1976, não é uma piada pronta e que pode ser ouvida mais de uma vez, eles ficaram.

Vamos ao disco:

Para mim tudo em São Paulo nos anos setenta era perto do Mappin. Era São Paulo das esquinas violentas, o centro ficando perigoso (meu pai dizia isso), e o ícone da ligação, do progresso, da expansão da cidade, embaixo o Anhangabaú e em cima os “românticos” batedores de carteira:

“Andando nas ruas do centro
Cruzando o viaduto do chá
Eis que me vejo cercado
Trombadinhas querendo me assaltar”

 

Lembro exatamente de um dia que um tio me levou ao aeroporto para ver os aviões chegando. Não era algo incomum, era programa, era lazer, aquilo tinha algo parecido com ir ao cinema, as aeronaves eram atores de Hollywood, víamos de longe, era cinema, mas também era um reality show setentista e o Joelho registrou isso:

Triste comédia
A família paulistana
Não tem fim de semana
Não tem praia nem montanha

No aeroporto de Congonhas
Passa todos os domingos
Só pra vê avião descendo
Só pra vê avião subindo

Família tradicional paulista ou de qualquer lugar. Expectativas, filhos, destinos, desejos frustrados, isso muda? Gargalhei com tantos amigos, eu incluso, identificados com esta pequena peça de realidade que o Tico Terpins nos trouxe, não vai datar nunca:

O meu pai sempre dizia
-quero ver você doutor!
Minha irmã, sempre a escutar
-quero ver você casar

Eu sem caminho
Qualquer profissão
Papai decide o que vai ser de nós, yeah!

Faz dez anos é solteirona
E eu não sei o que fazer
O meu pai vive esperando

Meu diploma de doutor

Paulista, paulistano, sotaque de erres evidenciados e a forte presença da voz do interior. Prosaicos motivos de gozação do resto do país que São Paulo carrega até hoje, o Joelho exortava em pragas com a fruta boa e incomoda de comer:

Mardito fiapo de manga
Preso no maxilar inferior
Mardito fiapo de manga
Preso no maxilar inferior

Os estrangeirismos musicais mais marcantes da música brasileira: rock and roll e música mexicana. A música mexicana habita nossas rádios há décadas e só muda um pouquinho de forma, o Joelho vai na veia da síntese rock/mexicaníssimos e abusa do trocadilho:

Compre una habitación en Acapulco
Mucha tequilla con agua tónica
Yo borracho voy cantando
Cucurucucu u Paloma

Cachita Alvarez envitaste
a una fiesta con muchas personas
voy cantando
She loves you yeah

Wow México, wow México
Wow México, wow México
Wow México,
México lindo

A vida toda em luta com o peso acima. Desde menino, e pelo que lembro tive contato com este disco em 1978, ouço esta música quase como autobiográfica, o Prospero sabe do que fala:

Hey Gordão
Tome cuidado
Hey Gordão… não se arrisque mais
Você pode sentir
Que eu não digo por mal nenhum
Voe como uma pluma
Esqueça do macarrão

A letra bucólica, escapista que confronta o mato com a tecnologia, a citação de Roberto e o riff pesado do Baillot que tanto nos encantou, a voz irônica do Terpins, Boeing voa longe, rock and roll:

O boeing 723897
Pode te levar pra bem longe,
bem longe, bem longe
Da poluição
De lá pra cá
Pro meio da selva onde reina o leão

E tem de amor nesse disco, musica romântica como o Joelho de Porco pôde conceber, nem sei se eles queriam falar algo mais do que entendi, não faço idéia pra onde eles iam com esta canoa:

Cruzei meus braços
Fui um palhaço
Mas resolvi parar
Pra estraçalhar

Com quantos paus se faz uma canoa
Pra sair dessa e chegar numa boa
De canoa

Prospero Albanese um dia disse que apesar de ter entrado apenas em 1975 na banda, Tico Terpins foi a alma do Joelho de Porco. Terpins foi grande demais, dialogando, por exemplo, com o humor ancestral de Noel Rosa e Ary Barroso. Coisa muito pertinente, pois a “cantora de Noel”, Araci de Almeida, foi madrinha do Joelho de Porco e até dividiu um show com eles.

O cinema falado me ensinou
I love you, I love you, *EU TE AMO*
Marlon Brando, poderoso
Meu chefão, cinemascope
Eu estou sentado, a beira do caminho
Tranqüilo, trankilo, tranqüilo, trankilo

Faz comigo Ari Barroso; aquarela do Brasil
Debaixo das palmeiras assobiando, assobiando,
assobiando.

Canta, canta rouxinol… brasileiro!!!!
Na alvorada e o rouxinol
Faz cuco, maluco, trakilo, I Love You!

Todo disco de cabeceira tem sua música preferida, aquele que você pula tudo para chegar nela, que ouve, ouve e ouve, sem nunca cansar. E a estas se juntam referencias da vida, elas têm frases (palavras/partículas musicais) que sempre usamos e repetimos como desconversa, como chiste, sem graça, com graça, particulares e públicas. Música de sempre.

Outro dia fui ver o Próspero Albanese e Banda tocar no Centro Cultural Vergueiro, era uma quinta feira, não tava muito cheio, a platéia era composta de amigos e os poucos fãs da banda que pingaram. Claro que ele tocou parte do repertório do Joelho. Pude ouvir ao vivo finalmente a música que mais gosto do disco de 1976, foi um presente, saí no silêncio do rock and roll, satisfeito. O futuro foi bom pra mim.

A lâmpada de Edison
O código de Morse
Graham Bell no telefone

Lunático Armstrong
Sigmund Freud, sua ma… mãe…
Von Braun e seus cometas

Ao sul da linha imaginária
Éder Jofre, Roberto Carlos Braga

No hemisfério norte
Cassius Clay, Frank Sinatra, que trapaça

Eu vou enfrentar no escuro
Hoje é o passado do futuro

Eu vou escrever no muro
Hoje é o passado do futuro

 

 

 

 

 

 

 

 

Um dos abandonos mais lamentáveis da atual gestão do MINC, em relação aos avanços da gestão Lula, foi o das conferências de cultura. É negado que elas foram interrompidas, o problema e que elas não acontecem, são secretas? Eu poderia me alongar nos retrocessos da atual gestão, escolho as conferências porque é delas que podemos extrair o combustível principal das mudanças em relação ao fazer cultural e à construção de políticas públicas: a democratização e o espaço para quem nunca tem voz.

As conferências de cultura nacionais e regionais se espalharam pelo Brasil na era Lula trazendo uma sensação de protagonismo inédita no debate cultural. Foi um período de real possibilidade de inversão de prioridades nas políticas e no fazer cultural.

No que consistem as conferências? São mecanismos de participação da sociedade que permitem a formulação , o acompanhamento e avaliação das políticas públicas. Literalmente o “lugar” da participação, da linha direta entre s população e as políticas públicas.

Já passou da hora do setor cultural articular a volta imediata das conferências. Até porque isolado e corporativista, ele tende a se enfraquecer e dar espaço e poder a quem sempre leva as vantagens.

Em ano eleitoral corremos o risco de engolirmos aqueles planos de governo completamente descompassados com as reais necessidades das cidades. Invariavelmente expressam interesses imediatos de visibilidade, atendem a grupos que atuam de forma corporativista através dos balcões de interesse ou produzem o limbo que reforça o discurso de que a cultura não é prioridade.

A prevalência da política do prédio (construção, reforma, sacralização do espaço a inaugurar) e dos eventos episódicos e ou megalomaníacos em detrimento de ações estruturantes e afirmação (após debate) de conceitos, não é incomum, seja qual for a coloração ideológica da gestão. Não é um fenômeno isolado e esta longe de acontecer por acaso.

Inverter este processo depende de uma ação efetiva do Ministério da Cultura.

Aliás, não há momento mais oportuno para ampliar e democratizar o debate. A cultura não esta isolada, e deve ser visto como algo estratégico para entrelaçado com pesados interesses econômicos. Cultura, arte e criatividade são condimentos que ultrapassam interesses beletristas, de toucador, cultura não é algo a ser contemplado e admirado, ela esta na vida, no dia a dia. O pior de tudo é que esta vulgarização serve para disfarçar perversidades maiores do que o narcisismo e a pose. Este congelamento do debate e da ação, portanto, não prejudica uma meia dúzia, prejudica o país.

No mundo inteiro esta cada vez mais evidente que o “negócio da criatividade” estaem alta. Ora, não é instrumentalizar a cultura e seu par extensivo, a arte. Instrumentalizar, porém, faz parte do jogo, independente do querer do artista, do gestor cultural, do publico, enfim, das pessoas envolvidas na “coisa da cultura”, tudo que a envolve será transformado em algo e numa sociedade onde o lucro determina a maioria dos caminhos, esse algo geralmente é bancado por dinheiro público, e por mais que esperneiem ao contrário e o negue, ele gera lucro para uma minoria.

Parece interessante ampliar esta conversa, não?

Voltando às conferencias, elas são ainda que de maneira incipiente e a estruturar, uma forma de tirar a discussão e as tomadas de decisão sobre as questões culturais da mão de “meia dúzia”. Esta marca de tomadas de decisões operadas por poucas pessoas é um dos ranços que permanecem ao longo do tempo devido a duas tradições que a cultura, no que tange à sua gestão carrega o elitismo e a prevalência das leis de mercado.

O elitismo no que se refere ao Brasil vem desde que D João trouxe o aparato do Império para cá, a cultura como algo a ser bulinado por poucos e como uma missão cínica de produzir ideais e produtos distantes da realidade e do acesso da maioria. Não é o caso de jogar no lixo toda a produção artistico cultural (se é que este termo dá conta) dos últimos quatrocentos anos, mas de refletir como esta relação vertical se deu no tempo, como ela se abrandou e como podemos aprofundar a democratização.

O mercado não é um demônio a ser morto com a espada da liberdade, isso é um desejo reprimido e irresponsável de quem pensa a cultura e arte como seres autônomos que vão operar uma revolução do qual elas não conta sozinhas. Por outro lado o mercado tem a força de torná-las estéreis e unicamente a seu serviço, o ponto nefasto da instrumentalização citada acima.

Estes efeitos foram duramente sentidos nos últimos 25 anos onde prevaleceram as leis de incentivo se travestindo de política cultural. O mito (na maioria das vezes inapelável) do artista-gestor muitas vezes atrás de um discurso que o faça aceitável e “útil” aos “interesses” da sociedade.

O Governo Lula apresentou algumas mudanças e apontou caminhos no sentido de descentralizar recursos, democratizar o acesso a financiamentos e estender o âmbito do poder decisório a mais pessoas. Foi um ensaio que precisa de sequencias e novos enredos.

Confesso que passei ao largo de detalhes determinantes para compreender as diferenças de política e gestão cultural ao longo dos anos, não se mitiga esta discussão dessa forma, mas o objetivo aqui é propor ação imediata.

A única forma de iniciar uma virada (e infelizmente parece que estamos sempre (re)iniciando) é através dos mecanismos que temos à mão dentro de uma sociedade democrática. Ululante. Determinado por uma política confusa, por um retrocesso evidente dos incipientes avanços da era Lula, o momento é de pressionar as instituições e no caso, a mais importante delas é o Ministério da Cultura, para que sejam retomadas as discussões, consultas e demais ações que garantam a participação de cada vez mais pessoas na vida cultural do país.

As conferencias podem ser o mote, a retomada, pois se acumularam, principalmente nos primeiros seis anos do governo anterior, quilos de documentos, muitas propostas e encaminhamentos frustrados. Há aqueles que insistem em dizer que nunca houve uma mudança substancial (mesmo no Governo Lula), ok, que seja início, reinício, mas que seja. Às favas com as susceptibilidades e discussões inócuas.

Pela volta imediata das conferencias e das diversas vias de participação direta, pois nelas a oportunidade de surgirem idéias menos impregnadas de velhos vícios é muito maior.