Pedro Alexandre Sanches, paranaense de Maringá, é jornalista e escritor. Trabalhou na vaidosa Folha de São Paulo, e atualmente, assina uma coluna na revista Carta Capital. Escreveu dois títulos de muita qualidade sobre música brasileira: Tropicalismo: decadência bonita do samba e Como dois e dois são cinco, ambos pela Editora Boitempo.
O rapaz faz crítica musical sem arrogância (coisa rara) e sem reproduzir releases de produtos.
Para conferir seus textos acessem:
http://pedroalexandresanches.blogspot.com ou http://pedroalexandresanches.wordpress.com .
Abaixo segue entrevista feita com Pedro por email:
k – Que história é essa de crítico?
pas – Pois é, que encrenca, não? O termo ultimamente me aflige, porque, com a configuração cada vez mais agressiva da cultura como indústria cultural, “crítico” também ficou cada vez mais parecido com um eufemismo para “divulgador”. Pode até ser um divulgador ao contrário, que divulga botando defeito no que divulga, mas não deixa de ser, mesmo assim, um divulgador. O que não tem nada de mau a princípio, mas é realmente estranho pensar que um jornalista, na função de “crítico”, recebe um determinado salário de seu patrão para fazer propaganda dos empregados de outros patrões. Não parece haver algo errado nesse percurso? Eu acho que tem, tanto é que, na minha opinião, a coisa não tem andado muito bem. Porque as coisas vão perdendo a graça (ou então ficam cínicas demais) conforme o sentido da palavra “crítico” se deforma, seja na exasperação do sentido negativo do conceito “crítico” (que credibilidade pode ter alguém que só encontra os “defeitos” dos objetos que admira, supostamente, por amor?), seja na entrega total ao sentido positivo, explicitamente propagandista, do conceito (quem pode acreditar para valer nas opiniões de alguém que propagandeia que tudo está o tempo inteiro cor-de-rosa?). Dá vontade de voltar à idade da pedra polida, ou viajar para algum tempo simbólico em que “criticar” fosse meramente refletir, analisar, pensar junto – o que, evidentemente, não tem (ou não deveria ter) nada a ver com a tiragem do jornal, a necessidade diária de sensacionalismo nas bancas e assim por diante.
k – Essa é uma pergunta, creio, de muita respostas, em que momento (s) a música chegou em sua vida?
pas – Se fosse para resumir, diria que chegou por intermédio da minha irmã mais velha, Myriam, que hoje tem 53 anos, e ouvia MPB apaixonadamente quando era adolescente e jovem. Eu sou 13 anos mais novo que ela, e quando pequeno interagi intensamente com os gostos dela, fosse fazendo muxoxo (como fazia diante da fissura dela por Elis Regina), fosse copiando os gostos dela (com oito ou nove anos, comprei por exemplo “Rafavela”, do Gilberto Gil, ou “Gal Canta Caymmi”, acho que por puro instinto de imitação), fosse ainda expressando algum grau de rebeldia (ela, por exemplo, desprezava solenemente a Rita Lee, e eu amava). Agora, saindo do âmbito caseiro lá no interior do Paraná, não há como eu não admitir que o que moldou os meus interesses foi, mesmo, um monstro de sete cabeças chamado Rede Globo. O primeiro LP nacional que eu tive foi de Baiano & Os Novos Caetanos, banda de proveta dos programas do Chico Anysio. Até o fim da adolescência, e em parte devido ao alinhamento total da minha cidade (Maringá) com a indústria cultural liderada pela Globo, praticamente só consumi trilhas de novelas e astros pop norte-americanos propagandeados na TV (tipo Bruce Springsteen, por exemplo). Meus sentimentos em relação a isso são ambíguos até hoje. Em parte são alguma espécie de vergonha, por reconhecer como eu era (sou?) dramaticamente robotizados por gostos padronizados (e, repito, ainda que fosse pelo viés “rebelde”, como quando assistia ao “Globo de Ouro” e odiava apaixonadamente alguns dos artistas que a Globo martelava, como – olha só que loucura – Jorge Ben, Roberto Carlos e Tim Maia). Por outro lado, outro dia mesmo estava assistindo ao “Sítio do Picapau Amarelo” dos anos 70 (que a Globo, sempre ela, relançou em DVD) e, meu Deus, que choque ouvir a música incidental composta pelo Dori Caymmi e constatar que aquilo era genial, maravilhoso, de uma qualidade assustadora. Sinto o mesmo quando ouço hoje em dia meus velhos vinis (& MP3) de Baiano & Os Novos Caetanos e (re)aprendo que aquele samba-soul inventado por Chico Anysio, Arnaud Rodrigues, Durval Ferreira, Orlandivo, Azimuth etc. era… bom pra caralho!!! Quanto ao “Globo de Ouro”, putz, acho que basta dizer que desde os 18 anos de idade meu ídolo máximo se chama Jorge Ben… Ou que aos 36 anos publiquei um livro sobre Roberto Carlos…
k – Explique o que é MPB e o que não é MPB?
pas – Nem sempre eu costumei refletir sobre isso, mas hoje em dia penso que MPB é um termo fundado principalmente em preconceitos. Não sei quantificar quanto disso é responsabilidade de artistas da “casta” agraciada com o rótulo, ou quanto é da imprensa que os rotula, mas parece evidente que esse rótulo serviu mais para elitizar certas camadas da música que para qualquer outra coisa. Nos anos 70, depois que “MPB” se consolidou como música de extração universitária destinada a consumidores idem, foi sendo criada uma infinidade de compartimentos – Caetano Veloso era MPB, mas Clara Nunes não (era samba), Maria Bethânia era acolhida com status maior que Martinho da Vila (idem), e assim por diante. Se a gente prestar atenção no que tem acontecido em anos mais recentes, vai ver facilmente que aquilo que nos acostumamos a chamar de “MPB” virou a parte mais isolada, confinada e desconectada da realidade do asfalto (ou das favelas, ou dos interiores). Paradoxalmente, o termo “popular” ficou sob a propriedade do pessoal mais isolado (feito os fregueses de um shopping ou de uma Daslu ou os moradores de um condomínio blindado, um condomínio chamado “MPB”, ou bossa nova, ou…), não do Zezé di Camargo & Luciano, ou da Banda Calypso, ou do hip-hop. Não me parece muito coincidência que hoje grande parte da “nata” da MPB, de Chico Buarque a, ops!, Rita Lee, esteja lançando discos pela gravadora Biscoito Fino, que é sustentada por um banco. Tudo isso é classe “alta” e “média” pra caramba, não é mesmo?
k – Letra de música ainda tem importância?
pas – Nossa, que amplo. A letra não foi importante para Beethoven como não é para a dita música eletrônica dos anos 1990. E foi importante para a MPB como é para o funk carioca ou o hip-hop paulista. Quero dizer, tudo cabe, e tudo leva a crer que vai continuar cabendo… Acho que às vezes a gente discute à beça isso, se a canção acabou ou não, ou se o tecno matou as “lyrics”, mas me parece um pouco um deslocamento, porque o que está sob xeque-mate, muito mais que letra & melodia, é aquele suporte industrial de que eu falava na minha primeira resposta. Então eu lhe devolveria a pergunta, reformada: qual é a importância da indústria musical na música de hoje?
k – Qual o “disco” que ainda não foi lançado ou que jamais será?
pas – Hehehehe, dizem os arautos (do apocalipse, alguns deles) que no futuro NENHUM disco jamais será lançado. Será que estamos preparados? Como os “críticos” criticarão discos quando não existirem mais discos?
k – Fale o que você quiser…
pas – Vixe! O que eu diria, meu Deus do céu? Já sei. Tenho aqui à minha frente o novo número do “Unidade”, o “jornal dos jornalistas”, que acabou de chegar à redação. Na capa tem um monte de capas de jornais de antigamente e o título: “Onde foi parar a nossa imprensa alternativa?”. De cara, eu responderia a eles o óbvio, que a imprensa alternativa está todinha na internet (ói nós aqui). Mas aí abro o jornal e vejo as capas colocadas para ilustrar o texto, capas do “Movimento”, do “Pasquim”, do “Opinião” etc. etc. etc. E, de fato, dá uma saudade do que não vivi (lá de Maringá, nunca li nenhum desses veículos, exceto alguns exemplares do “Pasquim” – outro “objeto cultural” que minha irmã cultuava)… Se formos pensar em imprensa alternativa sobre música, então… Puxa vida, será que fariam sentido coisas assim hoje em dia? Daria para a gente se desindustrializar e desvirtualizar o suficiente para meter a mão na massa em prol desse tipo de brincadeira? Alguém compraria? Ou melhor, alguém gostaria? Pronto, transformei pergunta em outras perguntas, de novo… Será verdade que jornalistas gostam mais de perguntar do que de responder?…
Valeu Pedro!!!!