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Arquivo mensal: agosto 2011

Sugar Walker Smith Jr nasceu em Ailey, Georgia em 03 de maio de 1921. Entrou no universo do boxe na década de 40 e passou a usar a alcunha de Sugar Ray Robinson, tido como o maior desse esporte, um virtuose.

Sugar  lutou cerca de 200 lutas em sua carreira, ganhou 173, das quais, 109, por nocaute. Mas o que o diferenciou é que o seu refinamento não coube em estatísticas. O seu jogo de boxe não se espelhou em vitórias, nocautes, mas sim na maestria que levava as lutas a uma esfera de arte, de surpresa. Seu maior adversário, Jake LaMotta, o maior aliado, a autoconfiança.

O boxer da Georgia foi protagonista da denominada “era de ouro do boxe”. Na atualidade o boxe é muito amaldiçoado e visto como puro negócio. Entra no pacote de lutas suicidas que infestam o esporte. Há quem defenda não ser um esporte. O boxe teve que se brutalizar, perdeu a dança, ganhou a truculência.

Onde estaria Sugar Ray hoje? No chão socado por um brutamonte com pinta de bad boy do UFC e eventualmente joga boxe? Não existe o supor, Ray foi e será um grande. Mas ver boxe mudou, o olhar mudou, a arte saiu do lugar.

Miles Davis era um músico promissor saído de Alton, Illinois.  Em meados da década de 50, líder de bandas, sideman, já gravara discos e participara de sessões memoráveis.  O futuro piscava em ouro e glorias e o seu trompete dava-lhe destaque, só tinha um empecilho, a heroína.

Miles amealhara má fama entre os músicos, era um junkie, e como tal, irresponsável. Em 1954 deixa New York e volta para a casa do pai, onde se trancaria 12 dias num quarto, dor, cold turkey, tratamento forçado, vai embora o vício.

Miles colocou luvas e foi treinar boxe.

O trompetista atravessaria décadas tocando e produzindo muito. Em depoimento disse que o principal inspirador da sua virada nos anos 50 foi o boxer Sugar Ray. Além de admirar aquele cara boa pinta, famoso, vencedor, disciplinado e dotado, antes de qualquer coisa, de estilo.

O boxe era coisa de estilista, e assim, o jovem Miles talhou seu estilo de ataque e pegada, sabia que não era um virtuose como Gillespie, Satchmo, mas seu trompete tinha um caminho a percorrer.

Como o jogo de cintura de Sugar.

Esta virada deu pulso novo ao jazz e nos proporcionou discos importantes como Milestones, A Kind of Blue, Miles in the Sky, In The Silent Way, Bitches Brew. Miles seguiu seu rumo inovador e abriu caminho para erros e acertos, o jazz, música vital, teve seu embate conhecido entre os desejos impeditivos da indústria e as saídas redentoras de seus criadores.

Miles brigou contra heroína, venceu,  brigou também contra a indústria (muitas vezes veladamente) vencendo quase sempre.

Miles e Sugar foram considerados como construtores e modernizadores do jazz e do boxe.  Claro que não foram unanimidade. Miles era tido como irascível, ególatra e intransigente. Sugar como extravagante e narcisista. Imperfeitos imprescindíveis.

As despedidas de Miles e Sugar  foram muito próximas. Sugar Ray em 1989, Miles Davis em 1991. Hoje são lendas que alimentam a indústria. Vencedores. O olhar distante minimiza as brigas, muitas vezes sem regras. Os sopros e jabs parecem fáceis e leves no mundo da imagem e do fetichismo.

Os tapes das lutas históricas de Sugar Ray, assim como as músicas inovadoras de Miles Davis no Itunes são patrimônio adquirido de todos.

O custo disso passa ao largo e representam bem mais do que direito autoral e de imagem.

Falar de forma romântica das agruras que um músico de jazz e um boxer, ambos negros, passaram na América moralista dos anos 50, já basta? Chamá-los de gênios já basta?

As verdadeiras causas e consequências, o recorte de classe, o racismo, as imposições da indústria são capítulos superados pela genialidade do indivíduo? Aprofundar-se nas contradições pode custar a pecha de discurso ressentido, masturbação sociológica, como diria um observador das sutilezas, da poesia. Vale o desvelo.

Não nascem Miles e Sugar aos montes, nem todos têm a argúcia de se desvencilhar e o suingue de procurar o espaço certo. O triunfo do self made man quase sempre bate na trave. Há que se recuperar a história sem fantasias, entre sopros e jabs. Jamais negá-la, tampouco suas tensões e contradições.

Nos instantes de mau humor costumamos proferir máximas insustentáveis. Uma delas é constante em minhas falas: “existem músicas que não deveriam mais ser regravadas”. Um clássico se constrói na qualidade e na atemporalidade. Músicas massacradas por roupagens pretensamente inovadoras, mesmo nessas, ainda mantém uma respiro, um traço do seu brilho. Clássicos sobrevivem, mas não raro são imolados e cansam de tanto aparecer. O tempo e as recorrências nos dão a oportunidade de rever as máximas de gostar ou desgostar. Abrimos concessão e renovamos o olhar (ouvir) sobre algo abandonado. Mesmo a original ou alguma versão já há muito conhecida passa a ter novo sentido. A beleza muda com o tempo, mas não deixa de ser.  Essa é do Jobim. Em certos momentos é preciso ser previsível para vencer as teimas, inclusive esta, de sempre querer fugir do óbvio…em três tempos.

Chavão abre porta grande

   (Itamar Assumpção e Ricardo Guará)

O mantra “nosso” de cada dia:

“O mercado tá nervoso”; “Não tem que dar o peixe, tem que ensinar a pescar”; “É necessário fazer a lição de casa (cortes de gastos públicos, desoneração da folha…)” “O Estado não pode estar em determinadas áreas, mas tem que fiscalizar estas áreas, mesmo que ele náo tenha nenhum poder sobre elas”;

“Os maiores racistas são os próprios negros”; “Eu também quero a minha cota, sou filho de pobre”; “Dia do Orgulho Hétero”;   “Eu sou um antiracista convicto, mas no futebol meu time tem que entrar em campo com raça”; “Ele é veado, mas é meu amigo”;

“…mas lá (longe) a Justiça funciona”;  “Nós trabalhamos para eles receberem bolsas”; “O Estado é totalmente incompetente e corrupto, mas eu sou a favor da pena de morte”; “Não existe país mais corrupto que o Brasil, já rodei vários países na Europa, fiquei quinze dias em cada um e não vi nada do que vejo aqui”;

“Eu nunca uso transporte público, não funciona mesmo e não adianta reclamar…”; “Corredor exclusivo para ônibus atrapalha o trânsito”; “Eu peguei metrô uma duas vezes na vida, em Paris e em NY, em São Paulo não tenho coragem”; “eu contribuo de qualquer forma para melhorar o trânsito, só não me peçam pra deixar o carro em casa”;

“As reinvidicações são até justas, apesar do discurso ideologizado”; “Não existe mais esquerda, direita ou centro (mantra neoliberal)”; “Acabou a guerra fria, agora é guerra ao terror (do outro)”; “vamos destruir o povo e suas cidades para lhes dar a liberdade e a democracia”;

“Globalização é o fim da fronteira local em nome do universal (só não mexa no que é meu)”; 

“Eu não voto em mais nínguem”; “Todos os políticos são corruptos”; “Eu não tenho nada a ver com isso, apesar de ter votado…”;”Não me envolvo com política, sou apolítico, a política é suja”;

“Nínguem (eu?) respeita as leis nesta cidade”; “Para quê leis, se elas não são cumpridas?”; “Existem leis que pegam e aquelas que não pegam” ;

“Pra quê Copa do Mundo aqui? Primeiro teria que resolver educação, saúde…” ; “A seleção brasileira é um lixo, a promessa agora é a Croacia…”; “Jogador de futebol ganha muito pra não fazer nada (a Nike agradece)”;

“O que falta para as pessoas é Deus no coração (em geral o “Deus” exclusivo da pessoa)” ; ‘Religião, política e futebol não se discutem (basta ignorar a opinião do outro); “O seu direito acaba onde começa o meu (ou a negação da dialética)”;

“O acesso ao livro é fundamental (não importa onde, quando e como ele vai ser lido); “Informação é poder (e como tal privilégio de poucos)”; “Vivemos a era da informação…distorcida, tendenciosa, manipulada…”; Política cultural é um assunto complexo (quando se inaugura a discussão…?).

Eu poderia ficar horas a pensar, pensar, escrever, escrever, mas creio que cada qual identifica seus vários chavões de portas grandes…e o dos outros…

Você deve respeitar a música que toca. Seja sincero, não importa o que toque. O essencial é que venha do coração. Sem o verdadeiro feeling, a música se deteriora”.

palavras simples de Victor Assis Brasil

As redes sociais mudam o tempo e o timing da vida. As redes sociais não inventaram o aleatório, tampouco os encontros fortuitos. As esquinas e os descaminhos são bem anteriores, já faziam as vezes da surpresa. Mas as redes sociais podem unir as camaradagens distantes, e nelas carregamos as nossas experiências, como em todos os espaços que os humanos compartilham em comum. Canções, histórias, pedaços de imagens da vida toda e parte dela. Vamos conhecendo pessoas, perdendo pessoas, revendo gente que passou faz tempo.

Nesta tarde de quarta encontrei o camarada Arnóbio Rocha ali no Facebook (como se fosse um antigo boteco da esquina). Ele contou baixinho uma historia que o aflige e deu link de um post onde relata um momento delicado de sua vida. Pediu sigilo e apesar de estar tudo publicado no seu blog, entendi o pedido e me orgulhei do pedido. Era a história que ele confidenciava para poucos, apesar de estar para todos no seu blog.

Sutilezas.

Na hora me veio à mente a vida curta de um grande músico brasileiro: Victor Assis Brasil.

Um dos mais destacados instrumentistas que já pisaram em nossa terra. Fazia música brasileira com universalidade do jazz, acho que melhor dizendo com a universalidade de uma música superior. Victor viveu pouco, nasceu em 1945 e faleceu aos 35 anos em 1981 no Rio de Janeiro.

Gravou mais de 10 discos, alguns póstumos, estudou na Berkley School of Music (e aprendeu bem mais do que a escola proporcionaria), tocou com bambas (Dizzy Gillespie, Jeremy Steig, Richie Cole, Clark Terry, Chick Correa, Ron Carter, Luiz Eça, Helio Delmiro, Claudio Roditi, Claudio Caribé, Marcio Montarroyos, Zeca Assunção) e foi extremamente original em suas perfomances e composições.

Tinturas de musica brasileira, jazz e música erudita (destacando os impressionistas).

Nos últimos três anos de vida, Victor chegou ao auge da técnica e performance, segundo quem o assistiu e tocou com ele, um lindo e longo canto de despedida. A música abaixo é do seu último álbum gravado em vida, Pedrinho (1980), até onde sei foi uma beleza transformada em legado e despedida para seu filho.

Coisa bonita de pai para filho.

Assim como post do Arnóbio, a música do Victor foi direto para o filho, mas depois ficou nossa, e com eles contamos e ilustramos as nossas histórias nas redes sociais e na vida. A música e o post já não pertencem a mais nínguem…

Valeu Victor!! Valeu Arnóbio!!

“Custa dinheiro para cuidar. Mas também custa dinheiro para limpar motins, selvageria e comportamento anti-social.”

Camila Batmanghelidjh, fundadora da ONG “The Place To Be e Kids Company” (que atua nas ruas de Londres)

Demonizem a política, esvaziem-na com a retórica falso moralista, resultado: caos na polis. Londres, Manchester, Birmingham estão aí para provar. O que se passa na Inglaterra é muito diverso para que usemos nossos olhares viciados. Há dois caminhos, ambos preguiçosos, que são escolhidos automaticamente para “interpretar” os conflitos nas cidades inglesas.

De um lado reduz-se a questão à leitura policialesca e repressora. Imigrantes ingratos, bandidos com pré disposição para saques e baderna? Por outro lado a romantização dos ocorridos que denunciam uma voz calada e reprimida que se insurgiu contra a exclusão.

Como disse, são reducionistas, não deixam de conter verdades, mas não dão conta do todo.

A despolitização e total falta de foco são inegáveis. As ruas têm regras próprias e difíceis de decodificar ao longe e com ferramentas inadequadas. O jornalismo adere a grita conservadora e vira reprodutor das falas oficiais com breves mudanças.

As tentativas de isolar o fenômeno inglês dos demais protestos que ocorreram em outros países recentemente só denotam uma necessidade de desviar o foco principal: insatisfação.

Insatisfações diversas, evidente, têm origens diversas e ramificações, pontos que as unem e pormenores que a afastam. A contestação aos regimes “autoritários” no Oriente Médio é o foco das revoltas de rua no Egito, Síria, Líbia e motiva o apoio aos insurgentes por parte da ONU e dos países “democráticos”.

O que querem os revoltosos das ruas de Londres? Qual o apoio interno e externo que o heterogêneo governo inglês necessita para “vencer” este furor? Quais os motivos de origem: roubar DVDs, tênis, gadgets, tomar o poder, democracia?

Como vamos separá-los e tratá-los de forma desigual, se o que se professa há mais de século é que os fundamentos econômicos servem para o mundo todo.

Remédio para os males todos, a pauta neoliberal é usada sem contrapontos para “sanear” a economia de todos os países do mundo. Como justificar esta ortodoxia econômica, sem empobrecer a análise das questões sociais e políticas?

O resultado você lê em jornais diários e assiste nos noticiários de TV. Olhares monolíticos.

O que salta aos olhos foi a surpresa que causou o fato dos amotinados roubarem lojas e saírem rindo com vulgares materiais de consumo. O consumo é um dos elementos que organizam a polis hoje. Parece até redundância.

Os espaços comuns de convivência há muito e em varias cidades do mundo são os shoppings centers, ou qualquer outro nome que se dê em cada lugar para espaços onde o consumo é o fio condutor.

Aqui onde vivo (exemplo que vejo de perto), uma cidade relativamente organizada e com recursos, mínguam os espaços públicos. Muitos estão sucateados e não atraem, outros apesar de “revitalizados” (palavra estranha, pois indica que algo estava morto e reviveu) são ignorados e não frequentados.

O que são os espaços públicos no restante do mundo? São diferentes?

As cidades se organizam e se encontram nos locais de consumo. Como tirar o consumo do centro de um conflito? No caso ele se apresenta através da expropriação, roubo ou do termo que melhor convém a quem o defende.

Não é justificativa, é quase uma relação causal.

A criminalização dos revoltosos e o remédio usado e ensaiado desde o início pelos apressados, prometida e cumprida pelo Primeiro Ministro, Cameron, e desejada pelos censores de sofá:

“Bater, antes de perguntar e cortar liberdades de quem não sabe usar”.

“Barrar as redes sociais”.

A pauta esta pronta desde o início. Como a redução de gastos públicos na Grécia, a cadeia para quem pilhou, é a “fórmula certa”.

Homens, mulheres e crianças vão e vem na cidade, a mobilidade dificultada pelo medo e pelas distâncias cheia de obstáculos (excessos de carros, transporte caro e insuficiente, etc.) confina as pessoas em espaços cada vez menores. Estacionamentos em áreas nobres ou comerciais são mais extensos que centenas de moradias aglomeradas.

A oportunidade de viver em grupo, muitas vezes não o é por opção e por pura falta de espaço. As ruas vão ficando pequenas e sufocadas. As casas tristes.

Qual o espaço da política nessa refrega? Onde ela entra nas comunidades?

Os movimentos sociais, apartidários por questão de principio, disputam com o cinismo do consumismo um espaço dentro do imaginário das pessoas em geral. Relação desigual e excludente. A política sempre entra pela porta dos fundos e como gafe.

Fazer política é trabalhoso e complexo. A referência que se vende da política, em parte pela ação de picaretas e pela amplificação das mesmas na mídia, é a de lugar de oportunistas e desonestos. O mais fácil não seria pular as agruras da política e ir direto para ações oportunistas e desonestas?

A generalização de um pensamento gera consequências. Despolitização. O cinismo tem um preço muito alto.

Onde começa isso?

Não é fácil tomar partido quando ambos os lados são pontiagudos.





** “Lembro de estar no quintal da casa, batendo latas, imitando a banda da cidade. Porque eu tinha uma bandinha: uns cinco meninos, tudo nuzinho, porque lá é muito quente e porque a gente era pobre. […] O meu instrumento era lata, eu ficava batendo lata de goiabada. Ta-ta-ta-ta, tocando. Eu tenho isso pra mim, que eu já nasci músico, nasci com a música. Eu era também diretorzinho dos meninos da banda, quando a gente era criança.

A história do menino Moacir José dos Santos, começa em São José do Belmonte, Estado do Pernambuco, em 1926. Perdeu a mãe  no segundo ano de vida, criou-se solto na cidade pequena do interior, tendo como primeiro paixão a banda de música da cidade.

Desenvolto ficava rodeando os músicos e instrumentos, que logo perceberam no pequeno uma séria inclinação para a aventura musical. Aos 14 anos já dominava vários instrumentos e caiu na estrada, peregrinando por várias cidades onde era sempre bem recebido devido às suas habilidades musicais, até chegar no Recife aos 16 anos.

Moacir cresceu, sua música também.

Santos rodopiou por bandas militares, orquestras de rádio (Rádio Nacional a convite de Paulo Tapajós) e já no Rio de Janeiro estudou teoria musical com o maestro Guerra Peixe Filho. Trabalhou como assistente do maestro alemão Hans Koellreuter, foi professor de feras como Tom Jobim, Baden Powell, João Donato, Dom Um Romão, Sergio Mendes, Nara Leão … segundo os pupilos: o mestre maior da harmônia.

Compôs, arranjou, acompanhou, foi parceiro de Vinicius de Moraes ( Se você disser que sim) e Mário Telles (Nanã), acima de tudo ajudou a desenhar uma nova forma de música brasileira.

Em 1965 lançou o disco “Coisas”, capítulo sagrado da história da música instrumental brasileira. Em 1967, Moacir Santos foi para os EUA, se esmerou como arranjador, compositor e instrumentista até nos deixar em 2006.

O álbum “Coisas” foi dividido em 12 coisas. Literalmente. A coisa numero “dez” é que a gente deixa registrado em três tempos e em três  de peças cabeças singulares da música brasileira.

** retirado do: http://musicosdobrasil.com.br/moacir-santos

Joe Strummer morreu em dezembro de 2002.

O Clash surgiu colado na ida dos Ramones a Londres em 1976 e na esteira dos Sex Pistols.

O nascimento do punk.

Diferente dos rapazes do Brooklin novaiorquino, Strummer saiu dos pubs ingleses com claras idéias políticas na cabeça. A Inglaterra enfrentava uma dolorosa recessão que desembocaria na “Era Thatcher”, a caretice imperava, era preciso incendiar Londres com idéias e ações.

Strummer atravessou uma década com o Clash.

Em 1986 Joe Strummer partiu para a carreira solo. Nunca deixou de escrever canções contra as perversas lógicas políticas e econômicas. O mundo dele não era o de consensos.

Strummer fez história, resisto a aceitar a analogia da Londres “incendiada” pensada por ele em 1976 com a de fato incendiada desde o último final de semana. Parece saída fácil, mas o fato é que Strummer enxergou bem.

“All across the town, all across the night

Everybody’s driving with full headlights

Black or white turn it on, face the new religion

Everybody’s sitting ‘round watching television!”

London is Burning

The Clash

Na noite de sábado, policiais abordaram e balearam em Tottenham no norte de Londres, Mark Duggan, um rapaz negro de 29 anos. A alegação foi que houve resistência e troca de tiros, o que resultou na morte de Duggan. A área é de afros-caribenhos, ponta do iceberg, desemprego, múltiplos problemas sociais. A família de Duggan recebeu informações desencontradas e contraditórias da polícia. A revolta seguiu como rastilho da delegacia para os arredores do bairro e ganhou a noite.

Não, não é coincidência. Há 30 anos em Brixton, local com o perfil similar, estouraram várias revoltas contra o desemprego e recessão econômica. Os motivos eram os mesmos, os de fundo e os alegados oficiamente. O Clash assistiu e registrou tudo isso. Paul Simonon, baixista do Clash, que cresceu nas ruas de Brixton, compôs e cantou algum tempo antes das tais revoltas um desfecho óbvio:

“When they kick at your front door, how you gonna come?

With your hands on your head or on the trigger of your gun

You can crush us, you can bruise us But you’ll have to answer to, oh, the guns of Brixton”

The Guns Of Brixton”

A revolta iniciada no sábado se espalhou por várias áreas de Londres, zona leste, sudoeste, centro e toma outras cidades da Inglaterra. Carros e ônibus depredados e incendiados, lojas invadidas e saqueadas, agressões. A desordem cria leituras, algumas de pronto, oportunistas.

A BBC destaca o “protagonismo” das redes sociais na “organização” da revolta. A primeira vítima são as redes sociais? Travem o twitter e esqueçam os motivos da revolta. As pessoas saem queimando carros e saqueando lojas por que são ruins e as gangues controlam tudo?

A versão virtuosa da polícia é que as revoltas são produto da repressão ao crime organizado como um efeito colateral. A ação da polícia por mágica criou uma digressão na “convivência” com o crime organizado e num sangrento sábado eclodiu a reação? A recessão e crise são panos de fundo irrelevantes e a população composta por baderneiros teleguiados prontos para agir?

Ler a fundo não é justificar e glorificar, mas tentar entender sem soluções diluídas.

“London calling to the faraway towns Now that war is declared and battle come down London calling to the underworld”

O vice prefeito de Londres, ilustrado pelas fotos da imprensa, deu ênfase aos roubos de tênis em lojas. De fato, os tênis desapareceram das lojas saqueadas, e não só eles. A estagnação e os cortes de gastos públicos são meros detalhes, são cumulativos e não fere a lógica, a falta de tênis nos pés de pobres baderneiros e invejosos, sim. O vice alcaide determina a lógica. Quem for prudente que espere a farra especulativa se acomodar. Eles estão mesmo preparados para vandalizar a qualquer momento. Bárbaros!

A revolta deve seguir então o seu caminho de entropia? Negros matam negros, disputam o tráfico (a ponta frágil dele), a marginalidade e se não morrem são presos, não há explosão, pois houve. E não foi por tênis, de longe se sabe. Apenas ande ao seu redor, não é necessário ir à zona norte de Londres.

“There ain’t no need for ya

Go straight to hell boys”

Straight to Hell

The Clash

Cameron, o primeiro ministro, assistiu da Toscana, sua capital em polvorosa, com vagareza reagiu. São apenas baderneiros à solta, dando motivos de sobra para fechar o cerco. O discurso ta pronto, lembra a música de outros punks, contemporâneos e expiradores do Clash, Sex Pistos em ” Holydays in The Sun”:

“A Cheap holiday in other peoples misery!”

Cameron voltará e vai fomentar os discursos que já conhecemos: a propriedade privada deve ser protegida a qualquer custo.

A polícia heróica será saudada e os homens e mulheres negros e brancos que quebraram a próxima cidade olímpica, pagarão em dobro o preço do acinte? Não se trata de sorrir sob os destroços e brandir em delírio os efeitos de uma lógica excludente. O resultado não cabe em explicações oficiais, tampouco em táticas revisionistas.

Qual o próximo ato? Como não associar as revoltas do Oriente a uma Londres imperial em chamas? Isolar as partes e traduzí-las ao sabor da conveniência?

Vamos esperar as palavras de Cameron?

“are ya takin over

or are ya takin orders?

are you goin backwards,

or are you goin forwards?”

White Riot

The Clash

Não há beleza em destruição, na morte, no caos. Por mais que saibamos que tudo isso tem uma origem bem evidente, não podemos aplaudir como vitória. A conta vem. É bem provável que seu desfecho em meio à supressão e ao acobertamento, será frustrante e doloroso. Mas o mundo se transforma e esta revolta que responde a novos tempos, não pode ser resumida e comparada ao que passou. Os punks, incluso Strummer, de alguma forma disseram isso. Pena, foram vistos apenas como subproduto da indústria cultural.

Strummer morreu, não pode ir às ruas fazer suas leituras e nos dar em canção sua crônica sobre esta Londres incendiada.

As ruas têm outros cronistas esperando para narrá-las no calor dos acontecimentos. Em Londres, Paris, Madrid, Damasco, Oslo, São Paulo …

“So won’t you help to sing
These songs of freedom
Cause all i ever had These songs of freedom
Cause all i ever had Redemption songs
These songs of freedom
These songs of freedom
Redemption Song”
Redemption Song
Joe Strummer and Mescaleros
Bob Marley