No fundo esta solidão sempre esteve aqui, sempre, disfarçada em fumaça, em copo, em sorriso.
Mas era terça feira, sim, de verdade uma terça feira. Ao contrário do que já foi dito pode acontecer qualquer coisa numa terça. Lá no fundo uma jukebox. Eu “detestava” aquela jukebox. Deveria ter nela uns 200 discos, nunca contei. Lembro da música que tocou duas vezes seguidas certa noite: “Sailing” do Rod Stewart. Eu não admitia Rod Stewart, talvez na fase “The Faces”, ou antes ainda com o Jeff Beck Group, mas que raios de luxo eu queria? Tanta sutileza para aquelas madrugadas de somas derrotadas, como e pra que escolher a música? Baita frescura.
Bebida quente. Terça, quarta, sei não, apenas sei que a luz do bar era quase amarela, não um truque pirotécnico, mas fraca, definitivamente amarela. As moças dos cartazes das propagandas de cerveja ficavam turvas, de dia talvez fossem lindas, mas nem eram lindas, pois aquela outra moça engajada e esperta, minha seguidora no tuinto, afirmou que propaganda de cerveja com mulher gostosa é exploração negativa da imagem da mulher. Ufa! Eram sempre turvas então, porra!
Era uma inteira noite de terça, sim, pois ela já envelhecera tanto que nem mais seria chamada de terça, era quarta de madrugada. E a solidão incomodava como sempre e sempre usada para justificar as burrices da noite… Companhias desagradáveis, pessoas falando demais, de menos, urros e silêncios. Conversa mole e carregada, o tempo vai passar e passa. No final era tudo engraçado. Ou a companhia desagradável era eu mesmo.
Eu dizia da jukebox, ela (alguém) investia novamente na música que eu não esperava e era uma do Zé Augusto:
Nada mais importa agora
Você foi embora e eu fiquei tão só
Sigo, sem saber meu rumo
Eu não me acostumo sem você aqui
Eu nem gostava de beber, mas estar ali fazia com que o exercício fosse automático, já fazia algumas horas (duas, três) que a moça de olhos grandes que trabalhava na padaria havia passado na rua. Bonita. Calculei que passava das três e meia. Comprava mais cerveja e na medida do copo minha identidade ia esvaziando. Falava qualquer coisa. Fofoca do boteco, comentário sobre a vida de frequentador. O cúmulo. Se eu afastasse os olhos como narrador externo sorriria do patético. Eu nem gostava de beber, mas bebia.
De que vale ter tudo na vida
De que vale a beleza da flor
Se eu não tenho mais teu carinho
Se eu não sinto mais teu calor
É de lascar. Um amigo eclético me contara outro dia, que o José Augusto fazia muito sucesso em países da America Latina, Peru, Colômbia, era ídolo. Sorri ao lembrar, aquela informação encaixava no momento. Virou relevante com a trilha no fundo. Ensaiei falar sobre com alguém, mas cada qual estava afundado na sua história própria. Fiz que fiz que e guardei para mim. Àquela hora era a vista ou desistir, não dava para ter conversa a prazo. Calei, sorri.
Tudo era motivo para ir embora, não tinha mais nenhuma cor no rosto do Suélio, o balconista/dono do bar. Ele sempre destaca filosófico que às vezes é o dono, outras o balconista. Assim toca o seu negócio se adaptando às circunstâncias. Nenhuma cor naquela hora, então, apenas pedir a conta e ele vinha solícito com aquele rascunho sempre honesto, tantas cervejas e o garrancho destacando os quentes e os petiscos. Pagar e andar.
A jukebox repetiu a música do José Augusto, eu comecei a imaginar a letra em espanhol e ri, ninguém entendia porque que eu ria naquele momento. O eco do som aumentou na noite. A música quase sozinha comigo no salão. Genial fim de noite. Minha casa é perto, quase extensão, vou decidir, vou dormir. Amanhã, talvez, e ao menos a música do Rod Stewart. Eu ria, ria… mas nem aparentava…
Hoje, eu estou tão livre
Posso amar a quem quiser
Mas nada me interessa
Mesmo que ofereça o mundo aos meus pés
Sei, outro alguém te ama
Pensa que você já me esqueceu
Mas ao sentí-lo perto
Tudo é tão deserto, você pensa em mim
A solidão sempre esteve por aqui. Ela vai embora comigo disfarçada em farol, faixas, asfaltos, solta na rua.
Uma noite comum.