Gritos, tambor, dança, dança, dança!
Fome, sede, gritos, dança, dança, dança, dança!”
(Rimbaud)
O Rock and Roll é por definição ambíguo e incoerente. Música inventada e calcada em várias matrizes. Blues, R&B, folk, boogie woogie, country, swing, festa de negros que aderiu brancos.
Música de quebrar quadris com apelo sexual. Nasceu negro, bissexual, homossexual, birrento, libertário, contestador, iconoclasta e pronto pro consumo. Chuck Berry, Little Richard, Bill Halley, Eddie Cochrane, Gene Vincent e mesmo Elvis Presley, não eram exatamente uma boa referência para a sedenta juventude do pós-guerra. Mas era o que teenages precisavam, eles (consumidores potenciais), o mercado, a industria cultural.
Nascia o rock, pansexual, multiculturalista, contestador e … integrado.
Nos últimos meses tem causado espanto em tantos as declarações e reações de roqueiros sobre questões políticas e comportamentais. Dinho Ouro Preto (cantor do rock 80, Capital Inicial) num palco de um festival, lançou torpedos genéricos e generalizadores contra políticos. Roger Moreira (cantor do Ultraje a Rigor) vive dando declarações estapafúrdias, com fundo conservador, no twitter e outros veículos. Lobão bate geral e pra todo lado, indo e vindo, dentro de um frenesi ideológico.
Poderia elencar aqui centenas de roqueiros que se assumem direitistas:
Johnny Ramone, guitarrista do Ramones, vivia às turras com o esquerdista e vocalista Joey Ramone, ao defender um ferveroso discurso republicano e conservador. Ted Nugent, guitarrista texano que surgiu na psicodélica e libertária década de 60, é hoje um fazendeiro milionário e figura de destaque do Tea Party. Johnny Cash, patrono de vários artistas e mago da mistura folk/rock/country, nunca escondeu suas posições conservadoras nos costumes e na política. Rush, trio canadense, tem letras e posicionamentos que ficariam um primor na boca do radialista homônimo Rush Limbaugh. O romance entre as bandas punk inglesas e o National Front, o orgulho separatista das bandas sulistas norte-americanas. A lista é longa…
E há os sofisticados, confusos, difusos. Como enquadrar o niilismo do Sex Pistols, a ambígua fase nazi do David Bowie, os delírios mal humorados do Lou Reed?
Tudo isso não deveria causar espanto. Onde esta escrito que o rock and roll carrega em si uma plataforma esquerdista e progressista no que se refere à costumes e á política? Como disse acima, ele nasce ambíguo e contraditório. Usar tatuagem, cabelo comprido, fazer cara de mau, fazer barulho com guitarras e refrões, não empresta necessariamente ao roqueiro uma marca ideológica progressista e esquerdista. Parece simples, não?
O rock nasce, adolesce, amadurece, envelhece, se afirma e se contradiz e escolhe. O rockeiro é o diabo a quatro…
A análise através de clichês e estereótipos coloca o rock, por um lado no pacote de manipulações da CIA. Os apocalipticos adoram misturar as rebolados de Elvis às tramas da Guerra Fria e do colonialismo cultural norte-americano. Do outro lado os utópicos vêm no rock a redenção das idéias libertarias e avançadas, o roqueiro seria o santo guerreiro contra a caretice. A realidade é misturada e diversa demais para esta delimitação. O rock esta no mundo que tem industria, consumo, discursos, opções e descaminhos e porrada de interesses.
Teoria da conspiração e deslumbramento não encerram o assunto.
Se formos nos aprofundar no cancioneiro do rock and roll encontraremos músicas: contra o aborto, racistas, misóginas (aos montes), que defendem claramente o credo liberal, chauvinistas, separatistas, pedófilas, que fazem apologia ao assassinato em massa, que minimizam a gravidade do estupro, que misturam de satanismo com nazismo, odes a ditadores…não tem fim. E há os esquerdistas que não são maioria. O rock é de esquerda, de direita, de centro, é diverso.
Rock não tem plataforma homogênea.
Isso tudo sem entrar na cabeluda discussão da arte e política. Apenas olhando de longe e tocando a superfície.